As horas.

O período em que estive no mestrado foi um dos períodos mais difíceis e complexos de minha existência. Passar da Matemática à sua Filosofia não foi simplesmente uma tarefa acadêmica costumeira. Foi uma escolha que definiu consideravelmente a maneira pela qual eu passei a interagir com o novo mundo então percebido. Nas entrelinhas, descobri algumas partes do meu self que eu desconhecia e que, então conscientes, passaram a deixar tudo um pouco sem sentido, um pouco nebuloso, tudo confuso demais para continuar sem umas boas doses de vinho e uns maços de cigarro. E isso foi absolutamente dolorido e absolutamente irreversível. Passei então a me entregar àquilo que meu sangue murmurava em mim, àquilo que Hesse chamaria “descobrir-se a si mesmo”. Busquei um sentido nessa falta de sentido. E encontrei uma falta de sentido nessa busca por um sentido na falta de sentido. Era cíclico, como desenhar o símbolo do infinito. A busca de sentido não passava de um instrumento para haver um sentido! E só. Simples assim. E em meio ao desespero inevitável, eu acendi um fósforo, enfiei na garganta, e deixei tudo lá dentro queimar e queimar e queimar. Passou assim a me acompanhar um olhar que vinha de dentro e que expressava às pessoas essa dor que queimava cada vez mais e mais e mais... como diria Renato, “ah, esses dias desleais!”. E então eu fiz amigos, e mais amigos. Percebi que o sofrimento também aproximava, mas quando ele vinha em silêncio, sem muito aviso prévio, sem muita consideração. E mais falta de sentido e medo e solidão. Por que todo mundo simplesmente não entendia que o amor também me crucificava, prendia, deixava mórbido, vazio, carregado? Por que nunca ninguém entendeu que sofrer em terceira pessoa é sempre mais fácil, e que, mesmo depois de um abraço, as horas eram sempre as horas e a falta de sentido sempre a falta de sentido? Acredito que foi aí que eu comecei a entender minimamente Hesse, Clarice, Fernando e os outros três ou quatro Fernandos e os não Fernandos. Sem escolha, fui para a vida procurar uma generosidade, um agrado, uma fuga e sempre cambaleando de lá para cá, com uma garrafa de vodka numa mão e um cigarro na ponta dos dedos. E depois outro cigarro. E outro, e outro e outro. E as horas não acabavam, nem com a porra da merda do cigarro! O que sobrava era sempre a falta de consciência que a vodka gentilmente me sedia pelas então próximas oito ou dez horas. E eu simplesmente me entregava e me entregava e me entregava: à falta de sentido, ao cigarro, à vodka e às pessoas. Agora estou aqui: sem sentido, sem cigarro, sem vodka e com as horas. E que horas!