A Sombra
Num impulso me rendo a escrever-te, vendo que tu não me animas à pausa.
Não cessa ainda minha languida rebeldia de permanecer a contemplar esse peso ardil que me esgarça o coração.
Sensação essa, qual única âncora me reserva ao abraseado prazer de estar na tua atmosfera inebriante.
Confessa-me o anjo, que longe devo estar, para o teu, e o meu alívio do lar.
Malgrado meu, com essa minha persistência malcriada e arredia.
Conquanto, te querer bem, sê veementemente maior que te querer apenas.
Mas ainda não te emudeças de mim, pois que te ouvirei dos mais invernais sombrios recônditos, onde nem mesmo os raios de sol que te cobrem a pele plácida, fizeram carinhosa morada para o sossego deste infeliz que te escreve.
Antes de ir, peço-te, não me chames fantasma, não me cubra com essa enigmática mortalha vaporosa das dores dos defuntos.
Sou vivo, de densos amores ornados pela tua beleza estonteante, de apoucado brilho, reconheço, porém, com o purpúreo inflamante de meu sincero amor cativo do teu ser.
Defina-me sim, à sombra de uma amável presença que só respira aureolado por tua doce existência.
Assim quero sempre te ser, das proteções daqueles que mais presam, pela paixão infinda.
Não tarda, carinho meu, e já me chama a voz seca, pois assim soa para mim o tom que me adverte, apesar de amigo.
Eu, que permaneceria em delongas ao teu lado.
Contudo, me chama o anjo que perpenetra os entrames de minha saudade, dizendo-me também que já basta o teu sofrer de não me reconhecer naquele que te é ladeado.
Repreende-me ainda outra vez, e me sou obrigado ao retorno para os desertos luminosos onde mora agora minha consciência vil.
Mas não penses tu, que foges às fotografias de minhas memórias.
Guardo em segredo no peito arfante de delírios longínquos, a primazia das tuas rubras faces nos encontros nossos de dias memoráveis.
E assim, anjo meu, espero nesse suspiro milenar, que essa silhueta esvoaçante, qual nada passa de um esfumaçado imperceptível ao teu negro olhar, que continues a me lembrar, pois que se não existo nos labirintos da tua inconsciência, não existo em mais lugar algum.
Sou isso, produto do teu amor, vivo e existo porque tu existes, e quando assim não mais for, assim também não mais serei.