Vazio

Você entra em um vazio tão intenso as vezes que a única coisa que você consegue pensar é: eu nunca mais vou sair disso e eu vou para sempre me sentir sozinha. A sensação é de que o mundo existe completamente a sua realidade, ao seus sentimentos e dificuldades. Na verdade, o mundo realmente é alheio a isso tudo, o dia vai nascer amanhã, a vida das pessoas vai continuar a mesma, carros passando nas ruas, a noite vai chegar e as pessoas vão continuar indo e vindo, inclusive, na sua vida.

A vida é algo tão abstrato que ninguém consegue dizer ao exato o que ela é. Lidar com essa falta de forma fixa já é um grande desafio para a raça humana, mas as vezes o que desafia ao máximo a nossa experiência nesse mundo são pessoas que vem, entram na sua vida, fazem dela a melhor e única, fazem dela completa e plena. Pessoas que nos dão a sensação de que jamais precisaremos de algo enquanto as tivermos conosco.

Aí é que entra a questão. Quando essas pessoas vão embora, elas não simplesmente abrem a porta e se vão. Em sua partida, elas carregam mais do que podemos ver ou nos dar falta. Elas levam partes de você, se desconectam como um todo e assim deixam você sem mais nada, sem mais aquela força que você sentia antes, aquela garra e vontade de acordar todos os dias, aquela vontade de sentir, desfrutar, descobrir e conquistar. Isso simplesmente acaba.

Você sente que a partir daquele momento tudo que você tinha para ver da vida você já viu, que você conhece tudo. Independentemente de sua idade você se sente como alguém que já viveu 100 anos, cansado, doído de tanto perder, sem desejos, sem sentimentos. Alguém que sente que sua jornada por esse mundo já está completa.

Todos os dias você acorda e olha as outras pessoas com gana, se movimentando, vivendo, sorrindo e chorando e você pensa: de onde vocês tiram essa força? Onde vocês acham essa vontade de viver? De ver o mundo? Sendo que basta uma pessoa em especial ir embora para destruir tudo.

“O tempo cura tudo” é o que dizem os mais experientes, ou qualquer pessoa que queira ajudar um amigo desesperado. Complicado é quando o tempo passa e passa, o tempo corre, voa e a dor só parece mais intensa. Dentro de você cada vez mais escuro, mais frio, a dor se transforma em desgosto por tudo que te trazia alegria antes, nada mais desperta a felicidade plena em você. Pior ainda, a dor pode se transformar em ódio e raiva da vida. O restante das pessoas ao seu redor tenta de todas as maneiras te ajudar e tudo que você sente é que elas estão gastando tempo com você, perdendo energias que elas poderiam investir em algo que desse retorno, em algo que ainda gostaria de viver.

E nesse viés de querer as pessoas perto, mas saber que você já não é mais a companhia que eles merecem, você acaba magoando todos. Você passa de esnobe, egoísta, que não dá valor algum para seus amigos e familiares. E assim, obviamente, as pessoas se afastam e cada vez mais você se vê sozinho. Perdido em uma dor, uma solidão extrema, tão grande que não dá para explicar, onde nem você consegue achar você mesmo. Um escuro tão grande que te engole cada vez mais e você passa a não ver mais a luz. Então, depois de tão perdido, tão machucado onde a dor é sempre uma constante exaustiva e insuportável, você só quer que tudo acabe.

Você sabe que familiares, amigos, pessoas próximas vão sofrer se você se for e você mesmo sabe o quão duro é isso. Mas a dor, a solidão extrema mesmo rodeado de pessoas, a falta de vida dentro de você passa a falar mais alto. Seu instinto de sobrevivência é cessado, eliminado. Você simplesmente passa a desejar que tudo se aquiete, que tudo desligue de uma vez, que você não acorde mais um dia para viver essa dor.

Você passa a falar isso para as pessoas abertamente e tudo que eles dizem é o quanto você vai machucá-los se simplesmente desligar sua vida. Você passa a ser bombardeado pelo medo de machucar as pessoas, de continuar fazendo mal. De um lado, a sua dor continua te forçando a só acabar com tudo e de outro lado você se força a aguentar mais um dia a fim de fazer menos mal a quem você ama. Essa luta entre fazer mal a você ou a quem gosta passa a ser a única coisa que você consegue pensar 24 horas por dia de modo intenso e exaustivo.

E de nada adianta conversar, pedir ajuda, você explica sobre sua aflição contínua, sua dor e o quão perto de perder a sanidade você está e todos parecem saber como sair, todos parecem ter a receita certa e óbvia para sair disso. Mas você sabe que não existe receita...

As vezes há coisas que se quebram e que não tem mais conserto.

Giuliana Joia
Enviado por Giuliana Joia em 09/07/2015
Código do texto: T5305549
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