Fim II
Que eu não seja, nunca, aquela que não tem coragem, que não esclarece. Que não seja eu daquelas que deixam que os outros entendam o que desejam entender. Que preferem fugir do barraco e do abraço esmurrado, que saem de mansinho, explicando que é melhor assim: não falar nada, não explicar, que acontece com todo mundo.
Que não seja eu a encostar a porta da minha casa, ao invés de trancá-la, ao partir para outra vida. Porque nunca será melhor assim, isso é mentira, tentaram te enganar. Porque não tem como abafar os ruídos do choro, o corpo não seca os soluços como um lenço de papel. Nunca.
E haverá gritos, disputa, danos. Será como chupar limão sem fazer cara feia, engolir o gosto ruim da boca, aguentar o desgosto da falta do beijo.
Será idiota recitar “que seja infinito enquanto dure”. A despedida não é lugar para poesia.
Haverá uma estranha compaixão pelo passado, a língua recolhendo as lágrimas, o rosto pelo avesso e a indignação como a última esperança. Haverá a hesitação entre consolar e brigar, entre devolver o corte e suturá-lo.
Que não seja eu a deixar minhas migalhas para somente depois recolhê-las. Que outro, e não eu, a não resolver o desespero, a guardar a risada histérica para o domingo, lá, tão distante.
Mas que eu esteja ali a fechar essa história, mantendo a dignidade de um rosto levantado e ouvindo o que não se quer escutar. Que eu seja cruel, pois assim é necessário. Porque só assim farei com que entenda. E aceite. E desista. Para que perceba que tanto tempo não foi invenção, que não foi loucura. Que a felicidade realmente existiu, que tentamos mantê-la, mas que ela se foi.
Porque descobrir a insuportável e delicada memória que teve um fim, não um final feliz, ainda que a dor arrebente, ainda é a melhor coisa a se fazer.