Lenda
Tenho medo da lenda de virar lenda, lembro dos choros das brigas, da casinha de barro da mata construída por mãos de criança, dos cães que não existem mais. dos rabiscos nas paredes, das brigas sem sentido. Dos perigos que sempre nos rondavam, do escuro.
Eles ainda estão lá os rabiscos, a casinha pequena de barro, as primeiras palavras escritas, as primeiras descobertas. As histórias ainda vagam por lá, no terreiro, em cada cômodo, as árvores sabem dos segredos, dos segredos dela, dos meus, e ainda estão guardados nas raízes.
Hoje vejo outra criança vagando pelo mesmo quintal, brincando de caça tesouro, acha alguma coisa, enterrado, há um nome, uma data, uma idade.
Tenho medo de me ver no passado, tenho medo de vê-la no futuro, da pele pálida, dos passos de criança.
E depois de tudo passado, as paredes recém pintadas sem rabiscos, o quintal limpo talvez, julgue que tudo esteja novo, que o passado foi apagado, julgue, não tenha certeza, porque talvez hoje mesmo meu pensamento vague aí em cada pedacinho de mato, olhe para cima e verá o rosto da lua convertido em rosto humano, se for, que vire lenda eu e ela ela e eu.