Uma conversa a meio caminho
Diz o amigo: Concordo.
Mas enfim, tenho problemas com os dois gêneros... Acho irada a primeira música, bacana a segunda... A terceira já acho exagero, egocentrismo.
Responde o artista: Realmente depende do músico, mas também de você, de como você ouve, quanta atenção dispende, o que procura.
Amigo: Aí que está! Você ouve musica... Você não tem que "procurar", você tem que sentir!
Não estou, de modo algum, menosprezando técnica, nem nada parecido, mas acho que é uma relação mais íntima.
Artista: Eu acho que é uma relação reducionista que menospreza a arte como um todo e joga ela para mera expressão de sentimento.
Amigo: E o que é uma arte, senão a expressão de um sentimento?
Artista: Uma reflexão sobre a vida? A desautomatização de um processo? A busca por respostas? A arte me parece esse campo de forças em constante mutação (exatamente pelo embate das força) que não se reduz a uma estética fixa, acabada, mas se caracteriza pela abertura, pela possibilidade de retornar again and again, ressignificando-se overtime.
Amigo: Consigo ver o teu ponto de vista... Mas ainda acho que isso tudo que você disse, no fundo, é só derivado de um sentimento.
Artista: Pode ser, mas não é preciso sentir esse sentimento. Se quisermos seguir um raciocínio evolucionista, sim, a cognoscibilidade humana é um sentimento extremamente refinado e espancado pelo processo evolutivo, então tudo que pensamos são sentimentos de alguma ordem que, por algum motivo, resolvemos diferenciar dos sentimentos tradicionalmente chamados, mas, para antes disso, quero manter a distinção e pensar que a arte não é mera expressão de sentimento, mas fundação de linguagem.
Amigo: Realmente... Nisso tens razão. No âmago ele é um sentimento, mas hoje, em alguns casos, é mais que meramente isso.
Artista: Eu acho que a arte deve lidar com a sensibilidade, sim, não com sentimento, mas com sensibilidade, isto é, com a capacidade de sentir, portanto, também com a capacidade de não sentir, de deixar de sentir. Por vezes você quer gritar, outras vezes só quer falar sério e monótono, rígido.
Amigo: Faz sentido.
Acho que cabem as duas maneiras de processo.
Artista: Porque lidar com linguagem é sempre lidar com um universo simbólico e uma vez que nos constituímos no plano simbólico, é impossível evitar algumas coisas. A arte é enigma, é o que não se define, mas sempre que se encontra se sabe que é.
Amigo: É uma análise diferente da minha, mas concordo.
Artista: Talvez por lidar com a literatura, que cada vez mais dificilmente atinge as pessoas, cada vez menos move emoções, enquanto tu lidas com a música, que consegue se manter mais dinâmica e produzir muitos efeitos, especialmente emotivos.
Amigo: Pode ser...