Escritos meus
Escritos meus
Les étoiles s’allument au ciel et la
brise du soir errer doucement
parmi les fleurs: rêvez, chantez et soupirez.
George Sand
Sempre pus-me a escrever o que sinto sem medo
De ser questionado, sempre fui eu mesmo...
Embora eu pensasse ser único, nunca o fui
Sempre fui muitos ao mesmo tempo...
Já mo sorrir sem motivo aparente e também
Chorei tão somente pelo prazer de chorar...
Já perdi amigos que nunca eu tivera, tão somente
Por temer o simples pensar, temer, acabei por perder...
Já tive sonhos loucos como um sopro fugaz,
Tão fugaz que se perderam no vácuo existente...
Já fui um rei em meu castelo de areia até
Que um rufar despretensioso o demolira...
Já fui plebeu em mim mesmo a chorar
Toda à madrugada sem sono a dormir...
Já fui nada e tudo em tempo ambíguo, já
Fui perspicaz e parvo em simbiose presente...
Hoje revejo minhas fotos antigas e não mo
Reconheço nelas, há uma efígie, mas não sou eu...
Releio meus versos e não os reconheço mais
Mudei deveras e não percebi tal mudança...
Perdi-me em mim mesmo a buscar minha
Estrada fui um pobre viandante, transeunte...
Ao pequeno almoço lembro-me das cousas
Que jamais eu vivi e quiçá jamais viverei...
No almoço esqueço-me o que vivi no minuto
Precedente e torno-me parvo só por ser...
No jantar recordo-me de tudo e de nada
Meus sonhos se perdem no mavioso vento...
Agora escrevo com minha pena, em um
Caderno velho afogo minha vida em versos...
Quem mo dera ser um artista para fazer
Meu viver uma arte em um tom sempiterno
Quem mo dera ser somente outro às vezes;
Para esquecer minha dor latente...
Quem mo dera ser Fernando Pessoa, em seu
Mundo de tantos perdidos e achados...
Quem mo dera ser um sonetista como
Fora Vinicius de Moraes, quem mo dera...
Mas não sou eles, sou eu um ínfimo
Escrevedor de quimeras dantescas...
Escrevinho o que sempre sonhei buscando
Afanar de mim o tempo derradeiro...
Não quero ser grande e nem devo sê-lo
Em mim, miúdo, serei um interlúdio...
Amigos, nunca os tive e sempre afastei as
Pessoas de meu viver, não sei bem por que...
Sou um tanto solitário em meu mundo
Sufocante, já não aguento mais...
Rabisco folhas e mais folhas só para ver se
A dor do desprezo mo deixa, mas não!
Então fujo, corro, sem saber aonde chegar enfim
Sou uma espécie de D. Quixote hodierno a viver...
Tenho medo de enlouquecer sem saber que
Já o sou, desde que cá eu chequei...
Tenho medo de perder sem saber que
Já não há mais nada a se perder...
Corro em vão será? Escrevo por escrever
Quiçá? Já não sei mais nada deveras!...
Uso heterônimo para mo esconder e
Viver outra vida literalmente...
Faço-me o que não sou, sem saber o porquê
De tamanha peripécia, sem mesmo saber...
Já foram folhas e mais folhas rabiscadas
Com minha tinta em tom de lágrimas...
Meu céu parece um rio em pleno retumbar
E sua sombra vira átimo entre o nada e tudo...
Vivo entremeado ao desespero e a satisfação
Quem mo conheça decerto desconhece-me...
Sou simplesmente uma incógnita flutuante
Em pleno planear sem motivos...
Traço minha vida no retilíneo redundante
Em ângulo torpe e tom obliquo...
Pinto meu mundo com tintas doiradas
Só para depois apagar sem palrar...
Faço dos meus dias um conto de Dostoievski
Sem sua dramaticidade Karamazov...
Perco-me em Goethe sem saber que nada
Sei, sou como Sócrates vaticinou...
Simplesmente vivo minha história
Como um bom historiador sonho...
Sou um professor que ainda não aprendeu
O trivial da vida e seus mistérios...
Vivo um silêncio com medo de falar e
Ter de mo explicar com argumentos vãos...
Questiono minha sanidade em meus versos
E descubro que sou o mais são vivente...
Quero sair, mas prefiro ficar, quero voar,
Mas o chão mo apetece imenso...
Quero simploriamente sonhar, mas o sonho
De mim foge e mo deixa preso à realidade...
Perco-me na prolixidade de meus escritos e
Pergunto-me por que eu escrevo tanto?
Sou um tonto por sonhar? Mas o que mo faz
Viver são meus sonhos de tom suburbano!...
Pero Vasco Lisboa, 01/10/2014