Espelhos

Diversas estórias discorrem sobre o espelho, amaldiçoados por algumas culturas e venerado por aqueles que gostam do que vêem diante dele, tornou-se o maior símbolo da vaidade, e nos dias de hoje, com a explosão dos autorretratos, o que também são reflexos congelados, mas estes sim, escolhidos a dedo sempre a melhor pose. Todos os dias caminhamos para a singularidade, o individual, criamos nossos filhos para serem independentes, ou seja, autossuficientes, estimulamos de uma forma inconsciente a se tornarem egoístas. Sempre que paro para pensar na vida, procuro entender de forma precoce aquilo que ainda não vivi, para de alguma forma, estar mais preparado para enfrentar coisas inevitáveis, como as limitações da velhice, a melhor forma de me relacionar quando minhas limitações chegarem e também, este o mais importante, entender as reações dos outros diante de certas dificuldades que terei. Pode parecer que estou tentando prever o futuro, ou tentar direcioná-lo, mas no fundo estou tratando a vida como tratei meus estudos, havia conteúdos a serem absorvidos em determinado tempo e caso eu não me preparasse, estaria totalmente perdido no momento das provas. Fico confuso, pois ao estimularmos o individualismo, estamos automaticamente condenando os mais fracos, e como vivemos numa selva, onde os predadores estão cada vez mais famintos por bens e moedas, como vou poder enfrentar todo o sistema com mãos fracas, pernas que não conseguem subir escadas, olhos que não conseguem mais ler, ouvidos deficientes e um cérebro cansado para lidar com números. Acho que isso explica a falência do respeito e dos bons modos, cortesias, gentilezas, gestos que caíram no desuso, nesta nova fase. Perco alguns momentos dos meus dias, para olhar o que se passa atrás dos olhos cansados de certos velhinhos, e devo confessar com pesar, que na maioria das vezes vejo tristeza. Aqueles olhos que um dia brilharam diante do espelho, agora procuram evitá-los, pois na verdade, o espelho nos mostra apenas aquilo que queremos ver, sempre.