NÃO SEI SER NINGUÊM A NÃO SER EU
"E me perguntam se eu acho que o tempo pode mudar, e eu respondo: ‘o que?’, o tempo eles insistem, o tempo. Mas eu não faço ideia do que falam, e pra falar verdade não me tem importância alguma o que discutem. É como se eu estivesse com tv ligada no último volume, mas minha alma estivesse muda pro mundo. Como se tudo isso que envolve relações, pessoas e existir me fosse como um plano de fundo, do qual eu não pertenço. Um espetáculo vazio do qual eu não participo. Eu escuto rirem, chorarem, brigarem. Mas eu não sou um deles. Porque eles tomam seus papéis e fingem muito bem. E dão seu show. Eu não tenho essa coisa de prestar reação e falar sobre o clima, ou sobre como o zé da padaria emagreceu. Eu não sei representar um personagem como eles fazem. Não consigo acordar dizendo ser um lindo dia, quando os meus dias são mais morte que a própria vida. E eu não sei disfarçar sentimento, falar que gosto quando não gosto, ou forçar amizade. Pra mim não dá. Eu não sei ser, e é esse o problema. Eu não sei existir, como existir, e por que existir. Eu não sei fazer parte desse inteiro destruído que é a multidão. Porque sinceramente ou eu sou a fruta podre da cesta, ou são eles que se apodrecem numa solidão mascarada de pseudo felicidade. E eu ainda não me decidi. Mas é certo que não viemos de uma mesma colheita. Porque eles se ajeitam, se aglomeram, e parecem vistosos e bonitos a primeira vista, já eu não caibo em recipientes, em espaços pequenos, nesse mundo cruel. Não quando eu não me comprimo, não me implodo, não finjo pertencer. Não quando eu não me alimento de sentimentos fajutos. E não sei atuar"