HÁ TEMPO DE AMAR
A luz contornou seu rosto naquela manhã. Estava sonolenta, eu sei. Mas foi possível, vê-la. No entanto, não a toquei. Antes de qualquer coisa, ouvi sua voz. Observei seus gestos. Demonstrava aspereza. Eu não me importava com isso. Era-me indiferente sua animosidade para comigo. Eu não me entendia ser. Eu apenas estava. E isso me isolava preventivamente de qualquer mágoa. Aproveitava ao máximo aquela novidade nunca antes vista, aquele descobrir que excedia o próprio entendimento. Era feliz.
- Mãe, porque o menino da foto em preto e branco morreu? Porque eu não o conheci? Porque eu não era nascida? Porque eu não me lembro de antes de nascer? Porque você acha que eu não existia? Porque você não sabe?
Quando eu era uma criancinha, o mundo não era muito diferente de hoje. As minhas dúvidas não eram tão distantes das de agora. Então eu acho que pouco se mudou desde então. Ou eu continuo a mesma de sempre com uma cara de outra.
Minha mãe não está mais entre nós, meu irmão e meu pai também já se foram. Exceto nos sonhos. Minhas noites são povoadas por seres eternos, emoções que não se rompem. Laços que se renovam. Lá estão eles, os personagens que conheço e os que apareceram do nada. Um mundo paralelo ou uma imaginação sem limites. Apostem.
Amor verdadeiro, amor de minha mãe. Os outros amores que conheci e venho conhecendo são expressões de minha imperfeita doação. E também não correspondem a minha necessidade tão ampla de ser amada. No entanto, com ela, demorei em entender o que representava o sentido próprio da palavra que nos uniu. Foi preciso a morte, esta trágica mestra, com sua lição devastadora de saudades, para me formar em fim, nesta disciplina para vida. Amor para quem ama.
Não tardem em amar, retardatários conhecerão a falta. Na falta saudades. Nas saudades, dor. A trágica mestra não tarda em sua lição final. Mas para quem ama, nunca há de faltar, mesmo que seja em sonhos. O amor é a prova que se aprova, vidas. Em qualquer tempo sempre há tempo... De amar.
Cristiana Moura.