Dia dos Namorados, carestia e safadeza
12 de junho. Dia do Namorados. Um amigo veio me pedir uma sugestão a respeito de que presente deveria dar a namorada. Logo a quem: a mim – um amante das datas festivas. A resposta que lhe dei foi um tanto irônica. Ele não a compreendeu, penso, e ficou um tanto – pra não dizer muito – zangado comigo. Não é pra menos, até confesso. Pois lhe recomendei que desse à amada, como 'presente', tendo em vista que o vale é o sentimento, neste dia tão 'especial' – que é o dia dos namorados - um quilo de sal. Ou, ainda, uma caixa com fósforos usados. Claro que isso em tom de brincadeira. Porém, dada a carestia e safadeza reinantes atualmente, há ou não, amigos, certa 'lógica' em tal recomendação? Não me respondam. A resposta me parece óbvia...
Porém, como sou teimoso, deixem-me convencê-los do contrário. Isto é: ''provar'' quão caro está o mundo; ''provar'' que, em frequência, a carestia só perde pra safadeza em nosso dia a dia. A safadeza consegue superá-la, e isso é evidente. Maior que carestia só a safadeza.
Fui a Maceió esses dias. Desci na Rodoviária. Como estava atrasado para a 'reunião', resolvi pegar um táxi. "Bom dia! Qual o destino?", perguntou-me o taxista. "Rua x; bairro y; número tal; ponto de referência tal.", respondi-lhe. E ele " Ah, pra esse destino, que fica aqui pertinho, nem é preciso ligar o taxímetro. São R$ 12,00." E eu, "Como? Amigo, acho que há um equívoco. Porque vim anteontem e ontem a esse mesmo destino e paguei, no máximo, R$ 9,50 - valor indicado no taxímetro. Que inflação é essa de mais de 20% em menos de 24 horas?" Ele coçou a cabeça, continuou: " O trânsito pode estar lento, sabe... Algum acidente no trajeto pode parar tudo..." Interrompi-o: "Ora, mas o valor não é de acordo com os quilômetros rodados?" Ele riu, ligou o taxímetro, sob minha sugestão, e fomos ao destino. No caminho, puxou conversa. Perguntou de onde eu era; se casado; se tinha filhos. Foi além, apontava a rua tal, o bar tal, o restaurante tal... Uma espécie de guia turístico. Tudo com a finalidade de, acredito, ser simpático, e refazer a má impressão que me causara.
Chegamos. Olhei o taxímetro: R$ 9, 76 registrava. Dei-lhe dez reais e o troco. Despedi-me, rogando aos céus não ter a sorte de embarcar num táxi desses tão cedo.
Participo do colóquio. Volto à Rodoviária. Dirijo-me a uma lanchonete. Peço um suco de maracujá. Ao meu lado, chega um senhor aparentando uns 70 e tantos anos. Pedi um cafezinho de um real. O moço da lanchonete lhe diz que nesse valor não tem: tem cafezinho de R$ 0,50 e de R$ 1,50. Porém, de um real, não.
Fico olhando a cena. O velho continua: "Num dá pra você diminui um poquinho o do real e cinquenta? Bota até o meio. Metade." Quando eu ia falar, dar um basta naquilo, pagar o cafezinho de um e cinquenta para o moço de mais de 70 anos, o atendente acata a sugestão dele. E o velho sai sorvendo o seu cafezinho de um real num copo do de um e cinquenta. Fico observando a cena. Vem-me à mente Graciliano, "Tudo é carestia e Safadeza".
Sigo ao balcão de embarque. Há uma taxa a ser paga. Fico na fila. Um cidadão, à minha frente, discuti com o funcionário encarregado de recolher o tributo. "Isso é um roubo. Nem na Bahia, nem em Minas, nem em São Paulo a taxa de estacionamento é tão cara como aqui, nesta Rodoviária. Isso é um absurdo." Penso, "Esse deve ser 'instruído', conhecedor de seus direitos de consumidor..." Ele vira-se em minha direção. Parece desejar que me posicione. Eu rio. Ele sai. Pago a taxa de embarque: R$0,75. Pego o bilhete e caminho de volta à minha terra.
No caminho, já dentro da Besta, vejo alguém, com uma escada às costas, acenar pro motorista, que para. O rapaz entra; deixa a escada no corredor; senta-se ao meu lado; e diz: "Rapaz, um taxista queria cobrar trinta real pra me levar com essa escada na Forene. Muito caro." Mais uma vez ri, e continuei ouvindo o relato do, agora, passageiro. Ele desceu na Forene, levando consigo a escada às costas. Torço para que não tenha mais que fazê-lo: me parece por demais cansativo levar, por longa distância, uma escada às costas. A cena me lembrou O Mito de Sísifo, de Albert. Só que, em vez de uma pedra, o sujeito carregava uma escada às costas. E o trajeto também mudou: em vez de ser em uma montanha, era em via pública. Contudo, em comum, o absurdo. Enfim...
Eis o porquê da resposta irônica ao amigo acima citado: é fadiga causada pelos descalabros que presencio.
O que esses relatos têm em comum, amigos, senão a carestia e safadeza que os circundam. Do taxista, passando pela lanchonete, pelas taxas de embarque e estacionamento, pelo rapaz e sua escada às costas e enveredando mundo afora: que há senão carestia e safadeza?