"A PSICOLOGIA É UMA BOSTA!!"

Saindo da faculdade escuto um rapaz, tirando sua bike, falando para um colega que, "psicologia é uma bosta, psicologia da saúde então!!", provavelmente um aluno de algum curso da saúde. Não foi só sua fala, mas a entonação que é preocupante, carregada de certeza - e eu poderia dizer de arrogância e ignorância. Poderia falar desse sujeito como produto da sociedade e que ele está somente reproduzindo, poderia escrever como estudante de psicologia ou futuro psicólogo, mas prefiro ser malvado, por ora. Mas sabe... ele tem razão, é mesmo uma bosta! Para quem não tem problemas, pois acreditar que todo mundo tem um problema, um reconhecível, para mim é um tanto dogmático (é como acreditar que existe uma lei universal dizendo que todo mundo deve ter um problema, aquele guardado com carinho, e se formos acreditar nisso seríamos obrigados a acreditar em alguma entidade espiritual, que rege forças, que é pensante). Mas a psicologia é realmente uma bosta para quem não reconhece seus problemas, para quem tem uma vida “perfeita”. Para quem está numa classe social estável e pode vir morar do litoral para outra cidade em um condomínio de classe média junto com o irmão ou o colega, que pode descer todo fim de semana para surfar. Quebrar a prancha pode ser um problema passageiro, pois rapidamente um colega o ajudará ou os pais podem emprestar um trocadinho para concertá-la. Para quem fuma um baseado aqui e outro acolá, marca pelo Facebook um passeio no parque ou no cinema com aquela paquera... Até aí nada de mais, o problema não é o cotidiano ou a possibilidade de usufruir de uma vida cheia de benefícios. Querendo ou não, é o que todos procuram: uma vida com menos sofrimentos e obrigações, e com mais prazeres e direitos. Mas para que se entenda, preciso continuar: a psicologia é uma bosta para quem não tem problema para pagar a faculdade, é uma bosta para quem tem um "corpo perfeito" nos moldes do padrão de beleza atual e acha que isso o faz melhor, de um grupo seleto e abençoado geneticamente; a psicologia é uma bosta para quem, somado a tudo isso, se sente socialmente confortável em qualquer situação (não tem rótulos: não é tímido, não é introspectivo, distimia, TAG, não tem fobias, nem neuroses e afins); ou seja, a psicologia é uma bosta para quem não tem demandas pessoais causadas pela pressão da sociedade, para quem tem uma família estruturada, que o encorajou e deu todo amor e dinheiro necessário fazendo-lhe acreditar - ou se não o fez acreditar, ele acreditou - que a vida é o que ele pensa que é, aquele lugar onde sua vontade, sua opinião, seus sentimentos devem vir sempre antes que o outro; se importar com o outro é uma questão de status. As pessoas torcem o nariz quando chegam até aqui, é preferível acreditar que "não é bem assim”, que eu estou exagerando. Esse é o problema de uma vida perfeita, de "pessoas perfeitas", onde a pessoa não tem problemas, onde não é exposta a dor e a determinado grau de sacrifício, pois cria um "tipo" de sujeito - na maioria das vezes - que, não é porque não pode ou não consegue, mas é porque não quer enxergar a dimensão do outro, fazendo acreditar que a psicologia é uma bosta, que se ele não precisa de psicologia, que suas picuinhas nunca precisaram de psicologia, porque alguém precisaria? Adorno, um filósofo da era moderna, nos diz que, a inteligência não é só uma característica cognitiva, mas também, moral; ou eu quero ou eu não quero entender algo. O pensamento aqui discutido, a frase em si, dita de uma forma tão espontânea e automática, que não se escondeu, costuma vir justamente dos agressores (aprofunde o conceito "agressão", ela pode ser tão suave)... Esse pensamento, e arriscaria dizer, que esse tipo de sujeito, que são os mais patológicos, mas acontece que quem precisa de terapia nunca procura. Há um certo “jargão” na psicologia que justifica tudo isso: fazemos terapia para lidar com as pessoas que realmente deviam estar em terapia.

Vagner Pinheiro
Enviado por Vagner Pinheiro em 23/05/2015
Reeditado em 18/07/2016
Código do texto: T5252608
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