Futuro.
Já diziam as ideias darwinistas – as circunstâncias são como gerentes que promovem os mais adeptos que os menos adeptos; o melhor na corrida pela sobrevivência emerge a contragosto dos menos preparados; aquele que mais estiver preparado para a sobrevivência, usando de artificies internos adequados aos externos, prevalecerá. Então nos é fácil entender o que é a ascendência de alguns perante outros. O que é, portanto, a ideia de igualdade e compaixão, se não preservativos para a ascendência. Foi, por muito tempo, cultivado o dever, as ações desinteressadas, a responsabilidade, a fé, o intelecto, a razão, os motivos que fizeram do homem prevalecer aos seus anteriores rumo aos seus superiores – os que o sucederam. Será estes artifícios todos apenas equipamentos-de-fachada para, no fundo, terem interesse de preservação e continuidade? Nos tempos de hoje muitos ultrapassaram vários – ideias, pensamentos, equipamentos, artifícios, ações artísticas, religiões – pois, o antes agora foram todas bases para o sucessor, como impulsos ou catapultas para como destino tudo o que hoje vivenciamos – e estes mesmo também servirão para aquilo que está por vir. Será tudo então bases? Nada esta em si mesmo, mas, no entanto, estão para o além daqui e do agora? Falemos, portanto, da religião, que serviu por milênios como estágios de cura, como remédios psíquicos, redentores do sofrimento, com as suas leis, seus critérios, suas decisões, suas ideias de vida, suas bases, suas crenças – toda a grande pílula de escape dos milênios – que, ora, a humanidade, por todo esse tempo, adorou usar! O que, então, fez ela decair? O seu poder de “cura” já não nos serve? Somos mesmo portanto insatisfeitos até mesmo com as curas que o mundo nos tem para oferecer? A psicanálise, por exemplo, agora assume o novo papel de cura infalível! Freud a denominou cura-pela-conversa! Tem nome! Tem nome! Mas o que mais impressiona é que a todo momento nos foi e é imposto que, nós, seres humanos, homens e mulheres, animais que pensam, seres da superioridade, os não-animais, enfim, nós todos sempre fomos e somos agora “doentes” e precisamos de cura. A história do mundo é a história dos doentes que precisam de cura a qualquer custo! Inventamos, portanto, os cultos aos mortos, os mitos, as crenças, a fé, os afazeres, a agricultura, a escravidão, a vida em sociedade, as conversas, o mundo das ideias, as reflexões, as filosofias, as ciências, o contemporâneo, a arte, a vida, o passado, o futuro, o presente, as nomeações desenfreadas de tudo o que existe, psicologia, técnico, automóvel, a maldade, a bondade, a morte – existe todo tipo de coisa, atitude, experiência, que nos faz, por determinados momentos, esquecermos que somos seres vivos que estão passíveis ao mundo, que somos eternos doentes, e que esta é nossa miséria, nossa cruz, nosso martírio, nosso sacrilégio, nosso destino desenfreado – para que esquecemos, por ultimo e por alguns poucos segundos, que vamos morrer. São os psicanalistas os novos curandeiros da alma! Fartemos-nos de festejar! Podemos ser curados! Porém, deixamos de morrer? Não! Parece-me que, daqui a alguns milhares de anos, dada as certezas darwinistas, a psicanálise dará lugar a uma nova cura – grandiosa, sem precedentes, infalível e a melhor possível, aquela que com ela não seremos doentes nunca! – a cura do não-existir.