Sobre Sentimentos, nº1 (Ódio)

Queria botar fogo em uma pessoa.

Que meu ódio ao lembrar dela queimasse todo seu corpo e sua alma. Como um vodoo, como um corpo que porta a peste e precisa ser exterminado. Agora eu sou indomável. Era isso que você queria, não era? Você me ensinou a maldade, e eu aprendi muito bem. Não tive opção, são os fatos da vida, o vortex incontrolável que gira sobre a boca do inferno, a humanidade não tem pra onde ir. Que adentremos o inferno então, com fogo nos dedos. Você primeiro, faço questão.

Que meu sangue esteja nas tuas veias, você me disse e fez. Não era um ritual, não teve nenhuma mágica ou mistério, mas na minha cabeça tocava Chopin e eu via aquele vulto branco no fundo da minha memória e naquela época eu dizia e implorava por favor, por favor, por favor, por favor, por favor... Ela me avistou e foi embora e isso viria de qualquer forma, já era tarde demais. Porém, quando aquele avião caiu sobre a ponte de Taiwan e depois outro mais caiu nos Andes franceses, eu me senti muito mal. Isso quer dizer talvez que minha alma está intacta, está inocente Talvez. Mas meu sangue é teu sangue agora, e você é uma pessoa horrível e até poderia matar alguém um dia mesmo. E eu prefiro te matar, meu julgamento basta e eu ainda sou a pessoa mais sã desse mundo, eu me rebelei. Por isso é inevitável que eu enlouqueça. O amor não existe, talvez só em uma outra dimensão, existem doze dimensões mas isso não foi provado matematicamente ainda, eu não me importo. Eu quero um tipo doentio de coisa doentia. Pelo menos estou salvo da minha própria raça e dos meus próprios ancestrais, a maldade impera e eu jogo o jogo deles agora é meu jogo também. Não vai ser uma vingança, é uma sacralização, vou distorcer sua maldade. Vou te assassinar, vou retomar os rituais antigos, vou olhar para os deuses sim, cara a cara, de igual pra igual e dizer era isso que vocês queriam, então toma, aqui, uma cabeça e o prêmio. Vou virar canibal. Vou ver outra guerra, dessa vez pela água, e todos estarão ocupados demais e o único que vai sofrer sou eu. Vou assistir todos engatinhando e então aí correndo, desesperados e copulando docemente até a boca da morte ou até outra bomba nos atingir, ou a gente morrer de fome ou sede ou de tédio por isso a maldade é inevitável, na paz e na guerra. Pra nos prevenir de todas essas coisas. Mas na guerra, na guerra devemos ser, somos vítimas e nossa maldade vira religião, sagrado, o outro mundo, a fé. É a autopiedade nos enganando, a falsa absolvição da culpa. A biologia se auto sabotando. Uma farsa. A maldade sempre impera, somos todos culpados.

Eu nunca quis me proteger da vida crua, você me segurou e me fez tudo a força. O sangue e a cópula. E todas as lições de como ser, enfim, um bom ser humano. Mas sou um monstro e minha maldade me domina como um ódio sobre tudo e toda a maldade. Eu vou subverter sua grotesque porque eu nunca pude me adaptar. Vou virar meu sangue contra teu sangue, vou engolir e digerir com ácido todo teu esperma. Acho que isso pode ser uma vingança sim, nada nunca foi sagrado. Os deuses não existem. Não há salvação. E eu vou ser a pior das criaturas por não me adaptar. Eu não me importo e por isso posso te jogar ao fogo. Eu não aceito a autosabotagem nem a falsa absolvição. Agora que sou imperdoável e que você estará morto, vou jogar o jogo para chegar a maldade primitiva serei altruísta com a humanidade tudo antes de enlouquecer. Vou distribuir a culpa com os terremotos, os vulcões e os acidentes de avião. Haverá um heroísmo na crueldade. Afinal, minha alma continua intacta e inocente, e não há salvação. Não há salvação.

David Ceccon
Enviado por David Ceccon em 30/04/2015
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