SE EU TE HOUVESSE CONHECIDO AGORA...



 
     Se eu te houvesse conhecido  agora em vez de há tantos anos, em vez de há tantos anos... já há mais de duas décadas e meia, nunca me teria encantado contigo e com teu verbo: jamais. Diz-se que ninguém muda, que as pessoas são desde sempre o que são. Pode até ser verdade isso.  No que se refere a ti, parece-me mais plausível, homem de outro espaço que não este do Recanto, que havia desde sempre em ti um outro, oculto, semi-oculto, nas sombras, em potência que a vida fez aflorar, tornou pleno ato e gesto. E, desse "outro" me tornei a maior, senão uma das maiores vítimas. Claro, não me estou eximindo de responsabilidades nisso, também eu tenho sido responsável por esta miséria que  tornou-se a vida, homem de outro espaço! Vida que poderia ser outra, muito mais limpa e nítida. Não me responsabilizes por tua miséria existencial. Não me responsabilizes, que podias ter escolhido caminhos outros. Escolheste os mais obscuros e eu, na esperança de que algo ainda pudesse mudar, permaneci por perto, o que foi o mais grave dos meus erros.
     Que adianta eu dizer essas coisas? Tu te tornaste um ser impermeável a tudo e a todos, principalmente impermeável a mim. Isso não seria nada, afinal sou ninguém. Isso não seria nada, não fosse o poder que tens, não fosse o poder que tens e que usas, à vontade e plenamente, poder contra o qual não tenho nenhuma condição de defesa e disso não há escrita catártica possível, nem aqui nem em nenhum outro lugar...  Que miséria, Senhor dos Céus!  Que miséria tem sido ver, viver, sofrer...  esse ninguém que sou e que, sendo ninguém, não devia sofrer mais pelo que quer que seja... Devia, mas eu, esse ninguém, ainda não aprendi como me anestesiar de ti e de outros e de tantas outras misérias para além de ti, também.
     Apesar de tudo, como me dói o que fazes a ti também, homem de outro espaço que não o deste Recanto. Também o que fizeste e o que  fazes a ti me doerá até o meu último segundo de vida neste mundo.