IMPRESSÕES SOBRE A BIOGRAFIA DE MOISÉS MAIMÔNIDES
Uma pessoa que conheci há pouco tempo, por conta do filósofo Spinoza, foi o teólogo, astrônomo, médico e filósofo judeu Moisés Maimônides. Pelo que estou lendo da biografia dele, foi um cara brilhante. Em especial nesta época em que o diálogo inter-religioso está sangrento, a lição dele ao ter conseguido dialogar exemplarmente com cristãos e muçulmanos é bem relevante.
Um ponto que me causa estranhamento é a permanente disputa entre teísta e ateísta para reivindicar o teísmo ou o ateísmo de Einstein. Não que a crença ou descrença dele resolverá um problema muito além da finita capacidade humana, mas é aquele velho problema de escolher uma autoridade para ser advogado(a) de nossas causas. Apesar de Einstein ter definido com certa clareza a sua "religião cósmica", e ter reiterado que seu Deus era o "Deus de Spinoza", ainda resta, por causa da tendência antropomorfizante da sociedade "fetichista da mercadoria", uma clareza maior quando os assuntos tangenciam o incorpóreo.
Na biografia "Maimônides", edt. Estação Liberdade, do francês Gérard Haddad, quando ele trata da concepção de providência do grande talmudista, podemos ler o seguinte:
"(...) Maimônides admitia a existência das duas providências, atribuindo-lhes um sentido original. A providência geral identifica-se simplesmente com as <<leis da natureza>> as leis da física, que Deus imprimiu no universo de uma vez por todas.Por sua vez, a definição de providência individual é mais delicada; de fato, ela coloca simultaneamente a questão, tão importante no pensamento de Maimônides, do <<livre-arbítrio>>", p. 83.
No primeiro caso de providência, acredito, está expresso perfeitamente o "credo einsteniano". Sir Roger Penrose, o grande relativista de Oxford, publicou um trabalho detalhando que a relatividade, tomada em seu sentido absoluto, levaria a um determinismo total. Talvez foi motivado por essa questão, ao lado do livre-arbítrio ser algo extremamente problemático depois de Kant (pois Einstein recebeu forte impacto de Kant), é que poderia tê-lo motivado a cismar contra a Escola de Copenhague. Igualmente a questão de origem teológica estaria em cena, como cria o filósofo e cientista também judeu, Chasdai Crescas, p. 86, "que em um determinino absoluto: qualquer ato efetuado pelo homem é desejado por Deus". Daí, consequentemente, inexistir qualquer ato previamente "fora" do conhecimento (desejo) divino: "Deus não joga dados", axioma desesperado do físico alemão contra a persuasão de Niels Bohr.
Até mesmo a famosa frase "Para nós, físicos convictos, a diferença entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão, por mais persistente que pareça." Que parece conter um desdobramento enigmático, talvez seja um pouquinho reacionária.Se a relatividade tomada em seu sentido absoluto, como observou Penrose, leva a um determismo causal completo, qual importância deveríamos dar ao tempo como sucessão ou serialidade, se toda possibilidade de mudar os eventos seria negada pela ilusão de possuirmos livre-arbítrio? Talvez não seja a sucessão a verdadeira ilusão, mas estaria iludido aquele que pensasse que a distinção da sucessão causasse alguma diferença na realidade, pois tudo, por fim, estaria causalmente predeterminado.
Penso que negar ao indivíduo a capacidade de possuir livre-arbítrio, automaticamente robotiza o ser e as relações humanas, sobrando aquela infeliz expressão de Spinoza, "encontro de corpos".Estudos feitos em parapsicologia revelam que, na verdade, possuímos livre-arbítrio. Podemos pressentir e escolher coisas antes mesmo que delas tomemos percepção consciente. Há algo em nós, nosso Atman, que faz escolhas e nos delibera sem percebermos os mecanismos intrínsecos da operação. Mas são escolhas pontuais (quantitativas) e de pouca efetividade duradoura no cotidiano, onde campeia a massiva coerção dos instintos e egoísmo. O famoso véu de Maya...Mas, se existe essa possibilidade mensurável de autodeliberação, caso também da multi-interpretada experiência fisiológica de Benjamin Libet, de termos um "tempo" de escolha entre o que se tornará ou não determinista, o homem, consequentemente, é escravo de si mesmo. Não por um imperativo inflexível da condição humana, mas por desconhecimento de como as leis da Consciência Cósmica funcionam em seu interior, ou usando a linguagem teológica de Maimônides:
"Todo aquele que rejeita Deus coloca-se, por isso mesmo, fora do campo da providência individual; limita-se a usufruir da providência geral", p. 84.