CONFESSIONAL

“Eu sobrevivi a tanta coisa.

Sobrevivi ao bullying na escola, ao pessoal me chamando de ET e monstro todo dia durante o ensino fundamental.

Sobrevivi à resistência dos médicos que juravam que tinha algum retardo mental.

Sobrevivi à desistência dos professores com meu desempenho.

Sobrevivi à traição de amigos.

Sobrevivi a três separações.

Sobrevivi a várias demissões.

Sobrevivi, vou sobreviver, mesmo que não acredite na hora.”

Nunca havia lido nada do poeta Carpinejar, até folhear “Me Ajude a Chorar” em uma livraria. Não por acaso, abri bem no trecho acima: recém despejado de um relacionamento que durara quatro anos, eu me sentia o cocô do cavalo do bandido e o texto me atingiu em cheio.

Namorei o livro durante alguns meses, mas não o comprei – livros são caros, nem sempre cabem no orçamento da gente. Até que o encontrei por 10 reais em um sebo (sou apaixonado por estes ambientes abarrotados e empoeirados). A estas alturas a ferida do rompimento já não sangrava tanto, embora a solidão e a distância da família continuem importunando, deixando na boca um gosto amargo de uma ressaca das brabas.

Carpinejar tem um jeito único de escrever, poético e confessional. Como ele descreve na crônica, também já passei por várias situações filhas da puta nesta vida.

Já me chamaram de ET e riram da minha aparência.

Já me chamaram de bêbado.

De louco.

De drogado.

De veado.

De limitado.

Já me “diagnosticaram” como autista, só por que eu preferia me isolar com meu livro no intervalo do almoço.

Já pensei em suicídio, mas nunca tive coragem suficiente para levar a coisa até o fim.

Já bebi além da conta.

Já paguei 100 reais pela pior transa da minha vida: acho que a garota de programa estava drogada, pois trepar com um cadáver teria sido mais divertido.

Já confundiram o que eu escrevo com o que eu não sou.

Já cai no golpe da namorada russa. Mas não enviei o dinheiro.

E continuo aqui.

Ainda sozinho, mas que não seja para sempre.

Um pouco mais velho, enrugado e careca: cada dia encontro um tufo de cabelos no ralo do banheiro, mas não me perguntem se é da cabeça ou do saco, nunca parei para analisar, vão direto pra descarga.

A memória também já não é a mesma: já me flagrei pensando em fazer alguma coisa e cinco minutos depois esqueci o que era.

Na aparência, sou o mais calmo dos homens. Dentro da alma tenho toneladas de fúria, mágoa e desespero.

E também falo sozinho.

Mas só quando estou sozinho.

Sou louco?

Autista?

Não.

Sou humano.

E continuo devorando palavras nos livros e brincando com elas nos textos que escrevo.

As palavras me salvam do tédio, me aliviam do desespero.

E são minhas melhores amigas quando a porta se fecha e, na companhia de meus fantasmas, me permito ser eu mesmo.