"Fim"
Num outro sábado, distante das minhas lembranças vivíamos
com intensidade a harmonia comum a dois apaixonados. Hoje, passado
o tempo e as brigas, nos vemos distantes e cada vez mais
incompreendidos.
Tento não recordar os piores momentos, mas infelizmente
eles se destacam, e não há como olhar de outra forma: é resignar-me,
para não odiá-lo eternamente.
Vivemos uma dualidade quase “comum” nos tempos
modernos: a minha independência o incomodou, o meu sucesso,
enquanto profissional, não lhe deu nenhum orgulho, apenas medo.
Medo este que foi parcial causador da nossa separação.
Eu sempre disse que o maldito dinheiro algum dia nos levaria
à lona, e não foram previsões de uma mente em constante divagação,
foi uma constatação da realidade, que somente eu a via.
Antecipei a atual realidade no momento em que concebi
minha liberdade de pensamento, eu antes pensava aquilo que era
conveniente a você. Agia conforme as necessidades sociais e sorria
quando era extremamente preciso.
Eu, a bem da verdade, fui a grande culpada deste nosso
desencontro: reneguei a minha vida e a minha personalidade em prol
de um amor, que tempos atrás, era a minha maior ambição.
Com o tempo fui percebendo que era preciso amar um pouco
mais a mim mesma, esquecendo de olhar somente para dentro de
você, tornando liberto o seu modo de encarar o mundo. Eu, afinal, era
possessiva até mesmo com os meus medos, somente eu os queria
sentir. Egoísta, eu fui.
Abneguei o meu racional e coloquei em prática o seu sonho:
malhei, malhei e malhei até não agüentar mais. Considerava-me
uma “mulherzinha” sem pretensões futuras, só bastava um lar. Isso,
um lar; coisa da qual eu nunca tive. Sei que temos concepções
distintas sobre família, mas não quero entrar nesta questão.
Importante agora é deixar as palavras dizerem por mim, enfim elas
farão o julgamento final.
Quanto ao meu sonho, este se perdeu na minha submissão e
teve sua lápide suplantada na sua ignorância. Perdoe-me, mas eu
nunca tive a intenção de chamá-lo assim, mas qual vocábulo se
ajustaria para qualificá-lo? Eu ainda não consegui identificar um justo,
que concretizasse em apenas uma palavra tudo que penso, hoje, a
seu respeito.
Aquele homem de tempos atrás, nada restou. Movido pelo
capitalismo e ganância (que sempre andaram juntos) deixou-se
corromper pela ilusão de que o “poder” era a justa medida para a tal
felicidade. Ora, nós dois sabemos que a felicidade está em
coisas “baratas”, atos simples e gestos de afeto e carinho, mas não
foi isso que aconteceu conosco.
Pois bem, hoje estamos em lados opostos, eu vejo a
felicidade mais perto, tudo isso porque estou distante de você, e
talvez a recíproca não seja verdadeira, mas eu o alertei quanto a isso.
Lembro-me de que um dia eu disse, usando um tom de
ameaça: “Quando eu não chorar, entenda: não há mais o que fazer,
será definitivo!”. E isso realmente aconteceu.
Mulher má, devassa, senhora da verdade, dissimulada! Eu
não consegui passar outras imagens senão essas! Mas em defesa da
minha liberdade e felicidade sucumbi ao destino, que espero ser um
pouco mais justo comigo. Eu sei que errei, mas tive tempo de perceber
que meu maior erro seria continuar enganando o meu próprio coração.
Hoje não choro mais. Apenas penso naqueles momentos de
total loucura em que, abraçada a uma criança inocente, derramava
lágrimas de desespero e infelicidade. Eu só sobrevivi graças àquele
pequeno serzinho que assistia ao meu pranto. Olhava em meus olhos e
sorria tão inocente criança; mau nenhum poderia fazer, mas
confortava o meu desespero.
Eu sempre pergunto pro além: que mal eu fiz para receber
tudo isso? Mas até hoje ele não deu a resposta. Nunca clamei a Deus
para questionar sobre minha vida, afinal ele deu-me sabedoria, eu
teria que ser justa e agir conforme os seus ensinamentos, mas
confesso que por várias vezes, peguei-me suplicando que me tirasse
deste mundo, que pudesse levar a minha alma para um lugar onde eu
jamais sairia.
Hoje, consigo analisar melhor a nossa casual despedida. É!,
eu digo casual, porque nunca tivemos a intenção de ficarmos longe um
do outro, mas isso foi inevitável.
Fui obrigada a fechar as portas, para que a paz reinasse
dentro de mim. Entenda que para sempre seremos ligados, mas isso
não nos obriga a fingirmos.
Despeço-me convicta de que agi seguindo as razões do meu
coração, lembrando que foi justamente estas razões que me levaram a
dizer que um dia eu te amei. E realmente amei.