Douze ans après
Pela primeira vez em quase seis anos (e que será também a última, assim espero), sou forçado a rememorar e escrever a respeito de um personagem e um feito já quase esquecidos não apenas por meus conhecidos mais íntimos como também por mim mesmo: minha primeira novela publicada, o famigerado romance “Camila”, e o fascínio que sua musa inspiradora exerceu-me, há mais de uma década.
Todos aqueles que chegaram a ter contato comigo sabem da história, e não preciso repeti-la em grandes detalhes: amei a uma garota, que foi meu primeiro amor – escrevi uma história para impressioná-la e diverti-la. Ambos contávamos com 14–15 anos na época, e eu em particular nunca havia tentado escrever um livro antes; já escrevera poemas, sim, mas não histórias. Atualmente sinto-me arrependido por tê-lo publicado (vejam bem: PUBLICADO, não ESCRITO), e como não sou mais o ingênuo adolescente em início de carreira que fui há 12 anos, tenho várias autocríticas a tecer acerca de seu enredo e estilo – estou muito longe de crer que é um de meus melhores trabalhos – que dirá O MELHOR. No entanto, como diz o velho ditado, “verba volant, scripta manent”; achei justo registrar alguns esclarecimentos que creio eu que serão definitivos.
O primeiro é: por que gostei tanto daquela menina? Meus amigos sempre disseram-me que não era lá muito bonita; em verdade, aquela conhecida como “Nelly” o era (e ainda é) muito, muito mais. A ela não darei um pseudônimo, de tal modo seu nome já está gravado no consciente popular – inclusive, ele aparece ao fim do livro, num apêndice sobre o qual falarei mais tarde. Pois bem! Gostei dela por ser a única a me tratar com gentileza (pelo menos a princípio) numa sala de aula repleta de animais, e por ser o oposto do que eu era: exuberante, esportista e entusiasmada – mas também fútil e ignorante das artes, coisa que me desmotivou a insistir no erro e, graças a Deus, fez com que dela me esquecesse por completo, tanto é que depois de seis anos distantes nunca mais senti sua falta. Amei-a mais por sua ideia do que por ser quem realmente era, oposto a Nelly, que foi uma mistura de ambas circunstâncias; se bem que, em minha defesa, qual é o sentimento romântico que não se forma sob as concoctions do platonismo?
Passando agora para o livro em si, o que mais tenho nele a criticar é o estilo: atualmente creio-o muito juvenil, e se o houvesse redigido hoje em dia talvez fosse marginalmente melhor – acho que a prosa seria um pouco mais madura, e o enredo não aparentaria tão corrido e truncado. Daria uma origem menos melodramática a seu protagonista (escrevi o livro todo num arroubo de amor e entusiasmo adolescentes), e numa mostra de imenso carinho aos leitores de velha data faria com que Constantin recebesse maior proeminência, muito provavelmente expandindo suas origens e dando maior enfoque à sua ocupação como músico.
Teria também melhorado um pouco o final, e até colocado uma leve crítica social sobre como os discursos do pobre são ignorados pela Justiça, e que nem sempre o Amor é a mais respeitável força a orientar o ser humano – menos “Amor de perdição” (livro do qual gostava muito à época e que, obviamente, me foi uma profunda influência) e mais uma paródia self-aware de “Amor de perdição”. O mote do livro publicado é “Antes morrer por amor do que viver sem ele”; o da hipotética versão refeita seria “O amor não faz de homem algum um deus”, o que já experimentei fazer nos capítulos de encerramento de minha história “Nos domínios da Morte-em-Vida”.
Outra coisa que teria feito de forma diferente é o apêndice ao fim do livro, como já mencionei um pouco mais acima; arrependo-me de tê-lo incluído para publicação. Aquela carta, que escrevi a Camila Martins ao concluir o livro, possui alegações que hoje em dia percebo ter sido um erro lançar aos olhos do público – informações pertinentes sobre minha mentalidade naquele tempo – mas é algo que deveria ser íntimo, e apenas os olhos de Camila Martins podiam vê-las sem que eu recebesse represálias. Quando traduzi o livro para o inglês, cortei certos trechos que não seriam de amplo interesse, mas ainda creio sensato ter omitido a carta por inteiro da versão impressa.
Como um todo, arrependo-me de tê-lo publicado por dois motivos: o primeiro foi seu entusiasmo já ter esfriado depois de seis anos, e eu próprio estar perseguindo novos horizontes àquela altura. Aquilo que me aparentava tocante aos 14 anos me é horrivelmente cafona aos 28, e Deus me livre se ainda hoje achasse aquele livro o ápice de minhas criações! Nem mesmo o Ultrarromantismo me aparenta tão fashionable hoje em dia, e constatando que sei escrever sobre outros temas que não sejam prantos, lamúrias e choros vejo que estou trilhando meu caminho da forma certa. O segundo motivo já não é tão honroso, mas é mais importante do que o primeiro: eu PRECISAVA DE DINHEIRO. Não hesitei em pesar meu juvenil e íntimo escrito na balança do Lucro, motivado não só por despeito pelo término de nossa relação, como também por um cobre ou dois – sonho de todo homem de bem.
No entanto… escrevi-o – da mesma forma que escrevi vários trabalhos antes – e depois. Disto não me arrependo: cada um foi um passo de uma jornada, alguns na direção certa, outros na errada. Hoje posso dizer que, malgrado a ingratidão da garota (não mais nos falamos e quase nulo é meu desejo que isto aconteça), “Camila” é um documento histórico, de uma época em que tanto queria escrever sobre o sofrimento sem ter sofrido de fato, e hoje, velho e tendo tolerado incontáveis horrores, só queria voltar a um período de minha vida muito mais simples no qual podia escrever pequenos romances amorosos sem pensar num PÚBLICO de leitores, ou em vergonhas, retratações, explicações e afins que seria obrigado a dar depois de tantos, tantos anos.
(São Carlos, 16 de agosto de 2022 –
A ser incluído como prefácio na inevitável reedição de “Camila”, um século depois de minha morte)