Será?

Eu preciso dizer muitas coisas, mas talvez hoje eu só precise dizer que chorei e que tive dúvida e medo e receio e aflição e revolta e impotência e muitos e tantos outros sentimentos. Hoje eu chorei de dor, dor que não me pertencia, mas que domou meu coração. Dor que não era minha, ela era daquele senhor deitado na maca recebendo soro, dor que era da moça que perdia o ar e gemia com toda força que ainda lhe restava, dor do meu pai que foi mordido por morcego mas que nem dor sentia, dor da dezena de pessoas que aguardavam no corredor, dor dos que esperam na sala de eterna espera, dor da mãe que acompanhava o filho picado por um escorpião, dor da moça que foi surpreendida por um “doido que entrou na contramão” e que a fez torcer o joelho, dor da grávida que perdeu o filho, dor do atendente do hospital que sentia dor nas cotas (provavelmente de tanto mexer no celular e de ser mal educado), dor menino que não sei como quebrou a perna e que lhe gerou uma fratura exposta. Dor da médica recém formada e aflita por não poder aliviar todas aquelas dores. Eu senti a dor do homem que deitava na calçada do hospital. Hoje eu senti todas as dores daquele lugar. E senti a minha dor, que não era física. Doía na alma. Senti a dor de quem sonhou a vida toda em aliviar as dores, mas que naquele momento só conseguia chorar e eu chorei, chorei como choro nesse instante. Eu me vi ali, sentada numa cadeira branca, num corredor de hospital, impotente. Eu só conseguia observar e sentir aquela dor e me questionar. Será que algum dia eu serei capaz de aplicar uma vacina com a frieza da enfermeira ou passar uma informação seca como o atendente? Será que algum dia eu saberei lidar com o fato de por mais que eu quisesse salvar aquelas vidas eu não dispunha da estrutura física necessária? Será que eu serei como aquele médico que não olhou nos meus olhos ao me atender e que nem se quer quis saber meu nome? Será que eu saberia lidar com algumas normas rígidas e descabidas dos hospitais? Será que eu saberei dormir nas horas de direito sabendo lá fora estão inúmeras pessoas sofrendo? Será que eu conseguirei aceitar o descaso do governo? Será que não vou querer dar umas porradas nos meus colegas desinteressados ou interessados apenas no dinheiro? Será que eu saberia dar uma trágica notícia? E aceitar o meu fracasso? Será que eu saberia lidar com o fato de não aliviar uma dor? Será que eu saberia lidar com a perda de um paciente do qual me afeiçoei? E será que eu esqueceria? Será que aquela máxima “se você tem dúvidas não faça!” é verdadeira? Será...

Nadine Teixeira
Enviado por Nadine Teixeira em 24/01/2015
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