A Sombra do Tempo

Dedico este texto, carinhosamente, a Lucia Narbot, autora de um comentário que me levou a imaginar o que aqui escrevi.

Gosto dessa característica do Tempo: a de sempre, sempre e a cada instante ser único e ser outro. O tempo nunca é igual, nunca volta e nunca pára. Nós sim, voltamos Nele, ou melhor, voltamos nas lembranças dos efeitos Dele ao longo de nossas vidas. E se nos adiantamos na linha temporal não é de fato um adiantamento, é apenas uma previsão que por vezes coincide com os rumos que Ele tomará no futuro que está por ser, o mais que imediato, o futuro urgente, o futuro que acabou de tomar o lugar do presente. Estranho falar do Tempo como uma ‘entidade’ e meus amigos físicos e físicas por certo rirão de mim, mas fazer o quê se gosto de agarrar-me ao Tempo e às bobagens enquanto Ele passa por mim devagar ou ligeiro e tento entender o presente que acabou de virar passado ou pintar o futuro no próximo segundo que virá, vem e passa, pois o Tempo não pára jamais, é gerúndio, e é presente que será pretérito, tempo que não se repete - como repito: para reforçar que a única coisa que podemos mudar é o ‘agora’, fruto do passado e raiz de um futuro quiçá melhor, a depender de nós. Usar os segundos como medida é um modo de fingir que não notamos que o Tempo em verdade não se conta e então imagino que a única coisa que Ele poderia invejar seria justamente SER O MESMO por um infinitésimo de medida, por um tiquinho de quantidade NÃO MUDAR EM NADA, poder parar e finalmente descobrir o que significa ‘permanecer’. E para satisfazer esse desejo, ao mesmo tempo em que corria, conseguiu o Tempo que a Senhora da Vida (claro que tinha de ser feminino) ouvisse a sua oração: “Eu queria tanto dar um tempo, permanecer, ainda que só por um lapso”. “Tempo que usa a si mesmo para me convencer”, disse a Senhora, “Teu desejo não posso realizar sem influenciar outras coisas, e não sei quais serão os efeitos”. “Mas não és tu quem sabes e controlas tudo, ó Senhora da Vida, como não sabes que efeitos virão?”, disse o Tempo duvidoso e, um tanto cauteloso, suplicou: “Por favor, Senhora, eu sempre estive à tua disposição, talvez seja possível encontrar um substituto para mim, só por um período, só para que eu tenha o tempo, a oportunidade de saber como é parar”. “Queres pagar para ver então, ó Tempo? Se Tu assumires as consequências, quem sabe eu Te permita deixar de ‘correr’ por um momento, mas terás de viver com esse memento pelo resto de Tua existência”. E nesse meio tempo o Tempo refletiu: “Muitos falam em ‘fim dos tempos’... Acaso somos vários? Por quanto tempo existirei ou existiremos?”. “Enquanto lembrarem de Ti, ó Tempo, existirás (ou existirão). Dizem que és velho porém sabes que renasces a cada momento, sabes que és jovem ao extremo, mas que terás um fim, só não me perguntes como, quando ou por quê. Porém Te digo que não: Tu és aquele que congrega a todos ao Teu redor, todos Te perseguem e ninguém Te toca, muitos pensam que Te compartilham mas têm a impressão de estarem sempre ‘atrás’ e de ser ‘sempre tarde demais’. E és indomável, quando pensam em Ti em termos meteorológicos, apropriados ou sazonais – tempo certo, tempo errado, tempo bom, tempo ruim, tempo de fruta, tempo de paz, o tempo é curto, o tempo voa, tempo é raro, tempo é dinheiro, tem gente que pensa que Te possui: ter ou não ter-Te: eis a questão, tem gente que jura que pode partir-Te e que escorres por entre os dedos qual areia ou açúcar refinado; o tempo urge e ruge, o tempo foge, tudo pode apaziguar (verdade?!) - daí a impressão de que sejas ‘varios’ quando em verdade és um só”. “Quer dizer que estou ameaçado quando esquecem que existo? Tem gente que afirma que não Me sente passando...”. “Mas ao perceberem isso acabam ‘ressuscitando-Te’, não é porque não Te percebam que não estejas ali, agindo. A previsão é que existas para sempre, mas tudo depende do que é ‘para sempre’ e não vou discutir contigo agora questões arquiteturais, certas coisas são e pronto e pronto são. Mas vou sim parar-Te por um instante e porei Tua Sombra em Teu lugar. Falta-me um termo para Tua ausência total, ó Tempo, e sei que o nada pouco adianta. Quando voltares ao Teu caminho terás experimentado a completa estagnação, mas em nenhuma linguagem ou som ou cor ou forma deste universo poderás representá-la, jamais, então será como se não tivesses parado. Ainda queres seguir com isso?”. O Tempo se sentiu perdido, recorda de seguir passando mas não do que respondeu.

“Um passo de cada vez... o Tempo é filho da ordem, irmão da vontade e neto do caos. O Tempo é o que se faz dele, gato, sapato e coisa e tal”.

“Tempo é 'o' investimento, escolha bem as ações.”

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Poemas de Lucia Narbot

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Transformação

O momento presente

flui triste

de meu olhar

saudoso.

Fecho os olhos.

E quando os abro

o olhar

é só saudade

porque

o triste momento presente

virou

o triste momento passado.

São Paulo, 07/02/1964.

Do livro Versos ao Longo do Caminho

Sedução

Irresistível sedutor

é o Tempo.

Passa a fazer carícias,

convida a segui-lo

atrai com promessas.

Mostra a vida que estua

no reflorir da primavera,

no verão que retorna,

no manso correr dos dias

a desembocar nas noites

perfumadas e tranqüilas.

Impossível resistir-lhe.

Sedutor irresistível

mas também ilusionista,

o Tempo.

Ao segui-lo pela estrada

seduzida

arrastada

distraída

iludida

de repente me apercebo

do engodo em que caí,

pois não é ele quem passa:

os passantes somos nós!

Campinas, 12/09/06