RELAÇÕES VIRTUAIS
Era uma agradável manhã de inverno, a senhorita Incógnita estudava para sua prova de macroeconomia, entre perspectivas keynesianas e liberais um chá era a melhor opção no momento. A senhorita conversa pelo Facebook com um colega que tem predileção por estudar economia, entre discussões sobre os agregados monetários a conversa toma uma nova direção. Por mais estranho que possa parecer, a Idade Média virou tema da conversa, afinal o feudalismo é uma boa fonte para quem gosta de história econômica.
Definitivamente economia não era o assunto, discussões sobre cavaleiros que bebiam hidromel após uma grande batalha soava muito melhor, tanto para a nobre senhorita como para seu colega. Ambos concordavam com uma coisa, a Idade Média é fascinante, embora muitos associassem esse período como sombrio, para os dois jovens estudantes de Administração, a beleza desse período estava justamente no fato de ser sombrio.
A senhorita Incógnita que odeia café com a mesma intensidade que adora animes, resolveu parar de estudar economia e mergulhar no mundo medieval. O nobre colega, sempre que podia, citava coisas relacionadas com economia, mesmo sabendo que isso era muito chato.
O papo deles é bem “exótico”, pois graças ao nobre colega, a senhorita teve uma mudança repentina de assunto: Futebol Americano. A senhorita assim como várias pessoas, pensa que o jogo não passa de um bando de marmanjos correndo e derrubando uns aos outros. Seu colega tenta explicar que é um jogo de domínio de território e utilizou a metáfora dos guerreiros vikings que lutam para desbravar as terras desconhecidas do Norte. Não adiantou, principalmente quando a senhorita pediu uma metáfora sobre a bola sendo lançada, como o colega não conseguiu pensar em nada que não fosse meloso, achou por bem terminar o assunto futebol americano.
Outra mudança de assunto foi concretizada, desta vez era sobre algo que ambos gostam. Nada mais justo do que em dia de inverno falar de um ritmo que pode aquecer até uma rainha do gelo. Aqui é Rock baby! Mais precisamente seu lado gótico, para combinar com o clima, bandas tipo Xandria, onde a influência da musica sinfônica causa arrepios, arrepio bom para quem gosta e ruim para as mentes poluídas de funk, sertanejos “universitários” e outras anomalias sonoras.
A tarde foi tão longa com as músicas do Guns N’ Roses, o nobre colega foi repassar mentalmente tudo que havia estudado anteriormente e a nobre senhorita sabe-se lá o que foi fazer. Para o estimado colega, um café amargo como a alma de algumas pessoas para espantar o frio, frio esse com o coração de certas pessoas, era a melhor solução para passar as horas.
A noite da o ar de sua graça, o nobre colega chega à sala para a prova, por mero acaso, sentou-se próximo da senhorita, deu a última conferida no material e esperava a chegada do professor para dar inicio a prova.
Os dois não trocaram palavras e nem se quer olhares. A senhorita estava lendo, nada de economia, era um livro de ficção, mais de 800 páginas. Ela parecia muito concentrada na leitura, o que fez o colega notar algo: como ela fica linda lendo, como se o seu corpo exalasse algo provocante, como se o lado direito do rosto dela tivesse um imã que atraia os olhares do nobre colega. Por alguns minutos toda a concentração foi desabando, igual à Bolsa de Nova York em 1929.
A prova teve inicio. Por sorte o nobre colega teve sua concentração recuperada. O foco era 99,90% na prova, 0,10% era utilizado para dar breves olhares na senhorita. Como é de praxe após as provas, havia vários colegas que já concluíram a prova esperando para ver se os resultados eram compatíveis. A senhorita saiu da sala e se dirigiu a sua residência, já o nobre colega, sempre gentil, ficou batendo papo.
O nobre colega chegou à sua casa, e foi logo para o Facebook, objetivo da noite: papo com sua psicóloga particular, por curiosidade ela faz apenas sessões virtuais, assim evita troca de olhares, algo que deixa o paciente com receio. Entre conselhos e palavras animadoras, surgem as conversas bobas, sempre bem vida para dar boas risadas. Nem parece uma sessão de terapia, parecer um bate papo de amigos, que é muito bom!
Ao fim da conversa, a cama pede passagem, hora de refletir sobre o mundo na companhia da escuridão. A noite tem suas peculiaridades, é excelente para refletir e descansar, principalmente para refletir. Até que o dia fica claro.
Com o clarão do sol rompendo a escuridão, é hora de acordar, virar para o lado e dormir um pouco mais. Horas depois é o momento de acordar, tomar um café forte e quente e, obviamente, Facebook, para não perder o costume. No fundo, o nobre colega gostaria de falar com a senhorita, mas isso não aconteceu. Depois das 10h00min eis que surge um “Oi”, era a sua psicóloga, perguntando como passou a noite e se tinha pensado sobre a conversa da noite anterior. O nobre colega respondeu que sim e teve que, mais uma vez, agradecer por tudo. A conversa continua por mais algumas horas.
Os dias passam e as conversas com a senhorita ficam cada dia mais raras e o nobre colega teme que elas, algum dia, nunca mais aconteçam. A senhorita parece não se importar com o fato de deixar de falar com o nobre colega, fato que o deixa triste já sente algo por ela, mesmo que seja platônico. O nobre colega rapidamente lembra-se de uma musica do The Cure, Boys don’t cry, e é isso que ele faz. Começa a perceber que ela não merece o que ele ousa sentir.
A vida é engraçada, quando acha que algo bom pode acontecer, o Universo prega uma peça. Mudança de 180º para o lado ruim não era uma opção, mas aconteceu. Aos poucos as expectativas tornam-se desilusões e os pesadelos viram realidade, como a crise dos subprimes que abalou o setor econômico em 2008.
Era uma noite agradável de terça-feira, uma aula muito chata, os olhares do nobre colega são desviados da professora para a nobre senhorita. Ela parecia bem tranquila, diferente do nobre colega que tinha crises de agonia por estar no mesmo ambiente, respirando o mesmo ar que ela. Chegou a hora do intervalo, e o nobre colega resolveu tomar uma atitude e foi falar com ela, o papo foi rápido, mas divertido.
Por mais um acaso do destino, a psicóloga particular do nobre colega era amiga da senhorita e sabia dos sentimentos dele que foi contada em “sessões” anteriores. O nobre colega disse que a senhorita odiava ele, a psicóloga amiga (ou amiga psicóloga) disse que não era isso, que ela apenas não teria afinidade para com ele. Não adiantou, o nobre colega acha que ela tem algo contra ele. O único erro dele foi gostar de alguém que não merece.
Como fazer para esquecer quem não queremos esquecer? Esse grande paradoxo filosófico sentimental parece não ter uma resposta. O nobre colega não esconde sua tristeza, enquanto a senhorita parece cada dia mais contente. Pobre colega, sempre achou que desilusões amorosas eram frescuras e ele descobriu que não era assim.
O nobre colega é um amante de músicas bem eclético, a opção é ouvir Fresno. Exorcizando os demônios de um relacionamento que nunca existiu. Simplesmente foi tudo um adeus frio, como o coração da senhorita. Nem as táticas de Sun Tzu dariam um jeito no “exército interno” do nobre colega. Para piorar tudo, ela ficava cada vez mais bonita, para tristeza do desiludido colega. Triste mas era a realidade, que deve ser encarada.
O dia que o nobre colega temia chegou. Obviamente, a senhorita sabia dos sentimentos que ele nutria, e resolveu dar um basta nisso. O pobre colega ficou sabendo disso por meio de sua amiga psicóloga, que lhe contou os fatos sobre a decisão dela. Ele tentou mais uma vez, seguir o que diz a música do The Cure, mas não deu. Logicamente que ele não desfez em lagrimas, mas admite que algumas perderam o controle e escorregaram para fora.
No fundo ele sabia que era o melhor a ser feito. O difícil, mas inevitável passeio pela Avenida dos Sonhos Destruídos foi realizado. Enquanto o nobre colega sente saudades e chora, ela assiste animes e se diverte com seus “amigos”. Claro que ela não é obrigada a sentir pena dele, afinal era uma “relação” que existia apenas na mente do nobre pobre colega.
Agora um clichê: como já foi dito antes, a vida é engraçada. Faz parte da natureza humana ter esperanças sobre algum tema, seja pessoal ou profissional, bem com estar preparado para eventuais empecilhos no meio do caminho. Como diria uma sábia poetisa em três palavras: Não Crie Expectativas.