O rio e o vento

Mais um ano se foi. Hoje é 31 de dezembro de 2014. Hoje é “o derradeiro”, como costumava dizer uma pessoa que conheci, que também já se foi. Tudo se vai um dia: as pessoas, as coisas, os anos, o tempo. Parece que essa é a regra fundamental, a lei primária do universo: A efemeridade das coisas. Tudo muda, tudo se transforma. A vida, aliás, esse pequeno sopro de tempo que chamamos de “vida”, nada mais é que um fluxo continuo de mudanças. Porque é tão difícil entender isso? Parece que o ser humano tenta a todo custo ser um ponto imutável dentro desse fluxo. Como uma rocha no meio do rio, resistindo à corrente de água que a empurra para frente, para o desconhecido. Por que é tão difícil se deixar levar pela correnteza? Como é difícil. Creio que grande parte do sofrimento que as pessoas sentem, se deve a isso. Ao apego. Assim como a rocha que se apega ao fundo do rio, e vai se desgastando ao longo do tempo, sendo levada aos poucos, até que se torne frágil o suficiente para ser levada de uma só vez pela correnteza. Assim são as pessoas. Elas se apegam, resistem, vão se desgastando aos poucos, sofrendo, e por fim são levadas pelas águas. Tanto sofrimento, tantas vidas que se perdem no desespero, na desilusão, na desesperança. Temos que aprender a não ser como rochas. Que nossa vida seja um barco a vela, que é levado pela correnteza, mas que traça seu próprio caminho através do vento. Porque é isso que a rocha, que está no fundo do rio, não percebe: o vento. O vento não é como a correnteza, que está sempre contra a rocha. O vento muda seu curso a todo instante. O vento são as possibilidades que a nossa vida pode ter, são os acasos e oportunidades que surgem no nosso percurso a todo momento. O barco à vela segue pelo rio, porém se guia pelo vento. Não se trata de deixar a correnteza o levar, mas de traçar seu próprio caminho, respeitando o fluxo do rio. O rio também tem seu próprio caminho, suas curvas e seus meandros. Não adianta lutar contra ele. Ele é o fluxo eterno das coisas, e isso existe independentemente de qualquer vontade ou força humana, como foi dito, isso se manifesta como uma lei da natureza. O rio pode até secar, mas isso também seria mutável. E o fluxo de mudanças não cessaria com o rio seco. A mudança continuaria ocorrendo. O rio é metafórico, claro. O rio é o tempo, o nosso tempo. E no tempo, só a mudança é permanente, isso que temos que aceitar. Então, não sejamos como a rocha. Nunca. Ser como uma rocha não é viver, é querer se estagnar no tempo. Se apegar a uma zona de conforto, onde não precisamos fazer coisa alguma, a não ser se fixar em si mesmos, tentando ignorar o rio, e desconhecendo o vento. Pois é isso que a rocha faz: Ela é rígida, é fechada em si mesma. Ela desconsidera toda a realidade externa. Ela desconsidera que é uma questão de tempo até ela ser levada pelo rio. E ela desconhece o vento. Desconhece todos os lugares que ela poderia ir, todas as infinitas possibilidades de sair do lugar e de traçar seu próprio caminho, de se guiar pelas inúmeras opções que a vida oferece. A rocha enfrenta o rio, pois o vê como inimigo. A rocha quer ficar parada, o rio não quer. O que a rocha não percebe, é que não é possível ficar parado, isto é, ser imutável. O rio que corre ao seu redor não é o mesmo de um segundo atrás, as águas já são outras. Tudo ao redor da rocha muda a todo momento, e ela se recusa a acompanhar esse fluxo. Não é possível resistir a isso, o rio é mais forte, a mudança é mais forte. Sequer há um objetivo em resistir a isso. Tudo muda, e no fim das contas a rocha acabará mudando também. Então, não sejamos como uma rocha. Nunca, jamais. Todos nós temos o nosso barco à vela. É a nossa própria vida. É o nosso bem mais precioso, na verdade é a única coisa que temos nesse grande rio que é o tempo. Precisamos cuidar dele, mantê-lo firme, respeitar suas limitações, mas sempre desenvolvê-lo, aprimora-lo. Nós, como condutores desse barco, também temos que procurar evoluir a todo instante, melhorar nossa compreensão do vento, nossa cautela, nossa capacidade de ajustar as velas de acordo com o vento e com aonde queremos chegar. Somos só nós e o barco. E o rio e o vento. E esse é o cenário, é nele que se vive. Seguindo nosso caminho em meio as mudanças e as oportunidades, enfrentando as tempestades de cabeça erguida, mirando sempre o horizonte, contemplando a grandiosidade e a beleza de tudo isso que nos rodeia. A vida é simples, afinal. Nós é que complicamos tudo, queremos ser rocha, queremos nos apegar ao que há muito já passou. Não há sentido nisso. Há tanta coisa no mundo, não faz sentido reduzi-lo a apenas algumas. Restringir toda uma existência a esse pequeno conjunto de coisas, esse mundo reduzido ao qual nos apegamos. Temos que aprender a ver o todo, a levantar a cabeça e olhar para o horizonte de possibilidades que está a nossa frente. Aprender a sentir e aproveitar o vento, e não ter medo de descobrir onde ele pode nos levar. Mas como é difícil isso... Sim, é muito difícil. Eu estou passando por isso no momento. Me reconstruindo como pessoa. Desconstruindo velhas formas de se pensar, de se ver o mundo. Deixando de ser rocha, afinal. Esse final de ano tem sido um grande período de transformação. Hoje, em específico, foi um dia muito interessante. É incrível como pequenas atitudes podem mudar nossa forma de perceber o mundo. O simples fato de levantar a cabeça, ter mais confiança e segurança em si mesmo, nos faz observar melhor o mundo e toda a beleza que ele tem. É incrível como as coisas simples e corriqueiras passam despercebidas pelos olhos da maioria, mas podem ser captadas em sua essência por alguém como eu, que está num processo de renascimento, acordando de um estado de letargia e despertando novamente para a vida. Essas coisas simples podem ser vistas novamente, sentidas, como se fosse a primeira vez. Foi incrível a experiência de hoje, a sensação que eu tive. Uma felicidade, uma curiosidade de criança em observar tudo ao meu redor, em observar as pessoas, em ver como o mundo é dinâmico, é belo. Sentir a energia que emana do movimento, o brilho do mundo. Feliz daquele que enxerga o brilho de todas as coisas. Foi nesse momento que me veio a vontade de escrever um texto, nesta data tão simbólica de renovação. Me veio uma vontade de que alguém saiba o que eu estou passando. Tomara que pelo menos alguém leia isso. Aliás, tomara que muitos leiam isso, esse é o meu desejo verdadeiro. Que todos saibam que é possível renascer, é possível sim, é possível retomar o controle do nosso barco a vela, levantar os olhos para o horizonte e sorrir, apenas sorrir. Saber que há uma viagem e tanto pela frente. É como um renascimento, é um recomeço de fato, mas é um renascimento porque livra a mente de ideias, hábitos e padrões de comportamentos antigos, e nos dá a chance de ver coisas novas. A chave para isso é o desapego. Por isso é tão difícil. O desapego é talvez a coisa mais difícil de ser atingida. É difícil, mas é necessário. Desapego é liberdade, e liberdade é a existência plena de uma pessoa. Alguém só existe plenamente quando não se apega a qualquer outra coisa, não coloca essa coisa como fundamental para sua existência. Até porque não é, a pessoa existe de forma independente. Ela existe, mas não plenamente. E é isso que se busca na vida, afinal: a existência plena. Aceitar a mutabilidade, respeitar o rio. E saber sentir o vento. Ver a beleza e o brilho do mundo. E saber guiar o barco. É isso. A todos que lerem esse texto e se identificarem com a situação, com a situação que eu estava antes desse período de renascimento, que vocês saibam: Tudo pode mudar. Tudo muda. Aceitem isso, entendam isso. Uma vez que tenham entendido, comecem a mudança. Façam uma jornada interior, entendam o que causa o sofrimento de vocês. Vocês vão perceber que a resposta muitas vezes é o apego a coisas, pessoas, lugares, épocas que não voltarão mais, padrões de pensamento e de comportamento, a qualquer coisa que vocês insistem em colocar como fixas nas suas vidas. A velha rocha no meio do rio. Ela é o problema. Não queira ser uma rocha no meio do rio, quando se tem um barco à vela para aproveitar vento. Suba no barco, e vá. Assuma o controle, seja líder da sua própria vida. A partir daí, coisas como confiança, segurança, entusiasmo e motivação passarão a ser internalizadas em vocês. A quem leu esse texto, muito obrigado. Espero que eu tenha ajudado de alguma forma, como a motivação que você me deu para escreve-lo me ajudou. Que o rio siga seu curso, e o vento nos leve em direção a felicidade. Que a alvorada desse novo ano seja também a alvorada do nosso renascimento.

A.B.

AB ESCRITOR
Enviado por AB ESCRITOR em 31/12/2014
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