Adoro os instantes que precedem uma tempestade
Adoro os instantes que precedem uma tempestade. Me identifico com a selvajaria do vento, indomável, incontrolável. Carrega as folhas das árvores sem pedir permissão. Assusta os mais temerosos. Incinera os corajosos. Os raios que caem assombram e dão prazer. Um espetáculo aos olhos de observadores atentos. São flashes de memória, de um tempo em que fui sozinha.
O céu cinzento me traz lembranças. Me lembram dos seus olhos cinzentos, vivos, cheio de dignidade. Me lembro de como eles estavam úmidos, no dia em que te conheci. Chorava por aquela que lhe roubara o coração. “Não tema a tormenta que se sucede”, eu lhe disse. E você enrolou seus dedos em meus cabelos, e respirou profundamente. “Não tempo, pois tenho a ti.”
A chuva se inicia. Pequenas gotas amargas, como as lágrimas que verti. Você sabia que éramos só nós dois nessa longa jornada... Porque me deixou? Ou melhor, porque deixou a intrusa voltar e se intrometer em nossa vida? Eu curei-te as feridas. Agora você as deixou em mim. A vida pode ser mais injusta?
A tempestade aumenta. Traz água morna, para lavar meu coração. Esqueço as saudades, as cantigas. Sou somente eu e a chuva. A água machuca, como se para arrancar as chagas deixadas pela sua ingratidão. Me sinto limpa, leve, livre. Eu sou a chuva, e ela está em mim. Nós somos essência.
O céu se abre. Um azul deslumbrante aparece por dentre as nuvens. Um novo olhar me chama ao desconhecido. Uma nova chance. Azul céu, azul mar. O olhar que me recebe e que reflete os meus. A brisa empurra-me para o teu corpo, num abraço consolador. Não tenho medo de tempestades, nem de raios, nem de chuva. Só tenho medo de ficar sem esses olhos azuis.