A Morte
Enquanto ele estava no chão, nossos olhos entreolharam-se e eu vi o meu reflexo nas suas pupilas negras. Era um abismo. Um sentimento de agonia e tormento invadiu o meu corpo à medida que uma sensação de repulsa e nojo florescia dentro de mim... O que eu pensava? Desejei evitar tudo que lhe levou àquilo, e agradecia a quais fossem as forças que fizeram isso por terem escolhido a ele e não a mim. Podia sentir a morte transformando a minha visão numa imagem cadavérica, tentei correr, mas não pude. Eu estava contemplando a arte final da vida, imóvel, com alívio e medo numa mistura de desdém e aversão pela coisa em que ele se tornava. Meus olhos não viam, mas vermes e larvas certamente estavam em silêncio aproveitando mais uma de suas ceias. Rezei para que a minha não fosse a próxima, e nem a última.
A morte não foi minha, mas parecia que tinha tomado parte nela. Algo de mim foi perdido, e eu sei o que é. Você vive toda a sua vida ouvindo pedidos, desejos, súplicas, rezas universais de negação à morte. E você adere à elas. Você se conforma com isto e segue a vida evitando a morte, sem nunca saber o que ela é de fato. Eles te escondem a verdade e quando a hora decisiva chega, nunca está preparado.
“Não morra.” Por toda a vida eles avisaram.
Para quê viver, se me inibem do que nasci para ser: preparado para a morte? Eu me perguntava, e a imagem que chega até meus olhos responde. Olhei para esse abismo nos olhos dele, era infinitamente vasto de liberdade, mas no final havia a relutância de aceitar ou não o meu destino. Eu estava aos poucos me tornando um abismo. Era natural, cedo ou tarde a morte ia me corromper, e eu agradeci que ela escolheu a ele e não a mim.
Assim eu despi-me da inocência da vida e vivo como só alguém que conheceu a morte pode viver.