Roberto Bolaños morreu. Chaves, não.

"Inúmeros serão os teus trabalhos. Para que não enlouqueças, nós, deuses imortais, ofertamos-te a imaginação e o riso.'' [Armênio Vieira em ''O eleito do sol''.]

Contemporaneamente, tenho minhas dúvidas quanto ao caráter instrutivo e moralizante do cinema. Tenho minhas dúvidas. Primeiro porque, do meu ponto de vista, ele é concebido tendo como finalidade maior o ''comércio''. É concebido visando ao lucro. E segundo, o seu cunho alienador, dominador a nos incitar ao consumo desenfreado, a ''práticas antissociais''. E não somos uma ilha. Não vivemos (ou seria, sobrevivemos?) em meio ao caos isoladamente.

Há trocas de desventuras, de malogros. Mas isso não aparece, de modo geral, no cinema. Onde estão os Inácios Garapa, os Seu Madrugas, os Fabianos, e outros tipos sociais, que não os vemos com frequência na condição de protagonistas no cinema? São preteridos, tanto na ficção como na ''realidade''. Isto é visível.

Atualmente, o cinema é uma espécie de Peste. Não aquela de Camus. Não passa, hoje, de ferramenta de controle. Quem são os ''protagonistas'' dos seriados e filmes atuais?

Há exceções, claro. E o seriado Chaves é uma delas. Daí meu salve ao Grande Bolaños.

O criador, o interprete do Chaves, é morta, como todo ser humano. A morte faz parte da vida. É natural: início, meio e fim. Seu personagem, porém, não. Não é mortal. E portanto não morreu.

E por quê? Porque transcende à carne. Leva-nos, por meio do riso, a nossas falhas, a nossa pequenez, ao Nada, ao Tudo.

É este o Chaves: personagem com o qual tanto nos identificamos, sobretudo como alagoanos. Há muitos a nos circundar. Você percebe?

Não estão sozinhos os ''Fabianos, Raimundos'', de mestre Graça; os ''Pedros bala, os Sem-pernas, os Queridos-de-Deus'', de Jorge. Há nos barris dos subúrbios, nas praças do centro das grandes e pequenas cidades muitos Chaves. Alastram-se. E o ''exército'' aumenta a cada dia. Só não vemos tal realidade reproduzida na telinha. E por que será?

Há muitos Chaves ao nosso derredor. Muitos de ''roupinha muito louca'', avariados pela fome, pelo frio, pelo Capitalismo. Só não os vemos representados na TV. E por quê será?

O seriado mexicano, de certa maneira, reverbera esses excluídos na figura do Chaves. E, para tal, lança mão do riso. Ah,o riso...

Roberto Bolaños morreu. Chaves, não.

Penso que Roberto Bolaños foi prodigioso. Um sujeito que, talvez, não duvidasse da existência de Satanás... Criou a figural do Chaves, e a vestiu com o véu do riso. Uma maneira inteligente de burlar a censura. Terá sido sem-querer-querendo?

Ele nos trouxe o menino/homem do ''isso,isso,isso'', do ''sem-querer-querendo'', que dormia no barril, em busca das três refeições diárias, do sanduíche de presunto de todos os dias.

Chaves. Eterno.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 29/11/2014
Reeditado em 05/12/2014
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