FOME DE POESIA/PROSA FAST FOOD
Tenho fome de poesia, porém a prosa me é oferecida como única comida, em banquete fast-food. Como-a de pé, no balcão do dia a dia, oferecida assim, sem requinte, sem toalha de linho, sem prata, sem brinde, sem vinho.
Tenho fome de afago poético, mas o prosaico me abraça, cerca-me, tropeça no meu caminho, faz barricada, conduzindo-me para o cálculo de boletos, contas a pagar, deveres.
Anseio pelo mistério, contudo sou chamada a digitar códigos de barra, cujos segredos não me são dados a conhecer.
Tenho fome de sonhos, no entanto conto o passar das horas, quando nem mesmo pesadelos povoam minhas noites.
Olho estas camas em desalinho, é só o dia que amanheceu, a manhã já se foi, a tarde finda, a noite pede licença.
Portas mágicas abrem-se, quando mal chego perto, é um banco, sito num centro comercial, num shopping, não é uma praça, não é um jardim.
Praças me situam e me guardam, não há flores, não há perfume, nem crianças brincando. Tampouco amantes se beijando, aposentados jogando dominó. Usam na cintura um cassetete, uma arma, podendo ser disparada contra um que também sou eu, um pedaço de mim, bandido, desviado, delinqüente, infeliz, pedinte, um guri, um homem, uma mulher, a criança de colo, o gigolô, a prostituta, a madame, o que é do bem, o que é do mal, a santa, o pecador, o certo, o errado, o salvo, o condenado, o branco, o negro, o amarelo, sem cor, o político, o alienado, o feliz, o desgraçado. O sábio, o ignorante. O que anda em bando, o que corre pelas beiradas, solitário. Ele é eu. Nós somos um.
Tenho fome de poesia. Destarte, é a prosa que vivo. Faço da prosa, enfim, minha vida, meu poema.
14/09/2005