Separador

Separador

Há muito os olhos tinham cegado. Não víamos nem fome, nem sede, nem sangue. Víamos, apenas, o que à alma não repugnava e isso traduziu as fontes da serra, as heras a envolver as pedras dos muros, os limos na boca do poço, a dança das folhas a cair e a doce luz do Outono nostálgico. O sofrimento embotou todos os sentidos. Chegaram-me, cansadas, as tuas palavras a falar de amor porque ainda que os teus dedos estivessem na minha mão, já não os sabia. Na verdade o meu coração petrificara, o corpo, entorpecido, deixara de responder e eu era um sonâmbulo que percorria o mundo indiferente. De novo a tua voz longínqua, a pressão dos dedos e, finalmente, as lágrimas. Quando se chora acorda o coração, desperta o espírito, flui o sangue. Passamos a ver e a sentir. Nenhum voo nos é vedado mas continuamos presos à humanidade que temos. É ela que nos amarra ao pó mas é por ela que tocamos as estrelas.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 17/11/2014
Código do texto: T5038969
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.