Pousamos no cometa

Pousamos no cometa, não é Hollywood, é real.
Hoje, 12 de novembro de 2014, a missão Rosetta fez com que o robô Philae pousasse no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Não poderia deixar de falar na missão Rosetta e no desafio do Philae. Não sou da era Sputnick (1957), nasci em 1960, mas sou da era Mercury e Apolo, do pouso na Lua, da estação orbital internacional, do pouso em Marte, do Chandra, do Multmirror, do Spitzer, do Compton, do Alma, do GPS, do celular, do telescópio Hubble, dos telescópios em grande matriz, do pouso em asteroide, da descoberta de nichos biológicos nas fossas térmicas, da viagem para fora do sistema solar, e agora do pouso em um cometa. Sou mais, também, sou da era do desenvolvimento exponencial da biologia e da neurociência, sou da era do homem criar uma bactéria com retalhos, montando, juntando, pedaços de DNA, ainda não é a criação de uma vida somente com materiais inorgânicos, mas é um salto enorme para o nosso conhecimento. Tenho 54 anos e vivi a pujança científica (teórica e experimental) alavancando tecnologia e sendo pela tecnologia também alavancada. A ciência é fantástica, mal entendida por muitos que não sabem o real sentido de ciência, que é somente conhecimento, nada além de saber e conhecimento, a ciência nada inventa, ela busca entender o que já existe, quando muito ela descobre. Mas ciência em qualquer ramo, físico, químico, biológico, mental, cosmogênese, e outros, necessitam além dos competentes cientistas em cada área, que estes cada vez mais se integrem multidisciplinarmente, necessitam também dos quase esquecidos engenheiros (meu carinho especial a estes fazedores, construtores, e realizadores), e necessitam muito dos matemáticos. Pela primeira vez na história temos linhas científicas, como a teoria das cordas, sem matemática (ao longo do tempo, a matemática conceitual sempre andou à frente da ciência, e era por esta utilizada), ou seja estamos em um momento em que alguma matemática está nascendo em paralelo com a ciência. Cientistas, matemáticos, e engenheiros, parabéns.
Philea pousou. Philea está “vivo”. Philea “fala” com o centro de controle da ESA, e a pesquisa continua.

Assim que soube do status final do pouso do robô Philea no cometa 67P, depois de uma viagem de dez anos, a bordo da capsula Rosetta, fiquei emocionado. Fiquei um misto de feliz e triste, emocionado e revoltado, cheguei às lágrimas, que refletiam este antagonismo emocional. Feliz pelo projeto de quatorze anos ter chegado ao pouso no cometa, feliz pela capacidade humana de fazer isto acontecer, mas triste, talvez egoisticamente, por não poder ser um dos que fizeram isto acontecer, mas muito mais triste e revoltado ainda do como nós, seres humanos, capazes de feitos desafiadores e complexos, somos incapazes de olhar para o semelhante, nosso irmão em espécie, ou para a nossa terra, nosso nicho ecológico, e não nos comprometermos de corpo e alma mental pelo bem deles. Como podemos ser tão insensíveis, irresponsáveis, e descompromissados para com uma enorme parcela da população e mesmo para a natureza. Como podemos virar as costas, como se não fosse nossa responsabilidade, para os excluídos do processo econômico, e assim excluídos automaticamente do processo político e social. Nossa sociedade, naturalmente, sem esforço algum, por não ver utilidade econômica nesta parcela da população, pois que estão à parte do mundo de consumo e de produção, passam a ser consideradas sobras, dejetos, até mesmo escória ou lixo humano.

Somos seres inspirados, mas ao mesmo tempo muitos ainda são seres desesperados, desesperados por humanidade, desesperados por respeito humano, desesperados por inclusão social, desesperados por dignidade humana e social, enfim, desesperados para saberem o que vem a ser autoestima e valor humano. Como podemos ser tão inspirados e ao mesmo tempo insensíveis, tão curiosos e ao mesmo tempo não empáticos, tão competentes para algumas coisas, e incompetentes para o que deveria nos identificar como humanos, apenas incapazes de sermos verdadeiramente humanos...

Eu sou da era do LHC, da partícula de Higs, sou da era da física teórica cada vez mais parecer ficção científica, sou da era do realismo cada vez mais ser não intuitivo, sou da era da neurociência, da computação quântica, do tele transporte de fótons, do entrelaçamento forçado de partículas, sou da era de ser capaz de interpretar o ruído de fundo em micro-ondas, e por aí vai, mas infelizmente também sou da era da fome, da miséria, da continuidade das guerras religiosas, do neoliberalismo desumano, do capitalismo financeiro, sou da era em que estes seres carbônicos, nós, ainda não entendemos que deveríamos ser seres sociais...
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 12/11/2014
Código do texto: T5032785
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