Cerração

Dessa vez eu não vou falar sobre você. Não, agora quero tentar algo novo; e quanto a mim? E quanto ao caos, o redemoinho que carrego comigo sem ao menos demonstrar ao estar junto de ti? Isso vale algo sim, claro que vale. Não ouse dizer que não, que não tem importância, que eu criei tudo isso. Eu não criei em momento algum o que sinto por você. Não criei tua indiferença, teu semblante de tempo infinito, teu toque que desmancha-me à cada vez. Desmancha-me, faz todo meu refúgio de certezas, seguranças desabar e colocá-me aos teus pés sem nenhum outro rumo para escolher. Nem eu nem você escolhemos nada disso; tu não quiseres em hora nenhuma que eu fosse esse arrastão, esse choro esticado, falho e profundo que te colocas à mercê. Meu bem, eu sei que coloca: eu sei de mim, do que sou e posso, do que o contraste de nossas peles e vozes é capaz. Sei do sabor do meu erro, do poder cortante e sorrateiro que tens sobre você. E o adoro. Adoro fazê-lo, adoro correr, segurar-lhe pelas pontas dos dedos, possuir-lhe sem nem ao menos pedir permissão. Mas numa hora, isso acaba. As respirações voltam aos seus pulmões, as batidas à cada coração desesperado. Cada um à sua maneira, claro-- mas louco, perdido ainda assim. Vinha o ar, o vento, a vida e suas malditas verdades e nos conduziam para uma vista pálida, morta que já conhecíamos; nos colocava lá e obrigava a aceitá-la como parte do sonho. E não tente me dizer que tu não sonhas também: eu sei que sim. Pode não ser comigo, com meu gosto e cenário, tudo bem. Mas sonha sim com alguma das tantas matizes que posso lhe oferecer, das faces ocultas, dos reflexos encobertos pela sombra da luz que não nos alcançou. Vamos correr em sua direção, ora; vamos cair, ralar, arrastar e dançar, pairar sobre nossas mentiras e deixar nada além dum sol verdadeiro nos encontrar. Essa será nossa ruína, o que ela puder nos mostrar e impor como destino, como possibilidade inefável para corpos tão distintos e perfeitos no encaixe feito os nossos. Vou me perder nisso, no teu encosto que me acolhe e corrói, e não me arrependerei de nada. E lhe prometo: aqui tu encontrarás nada além de todo o calor e amor que possa existir em braços feito os meus.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 19/10/2014
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