Confissões

Sou só mais um elemento desta paisagem. Imóvel, passaria por pedra. Sinto-me assim, muitas vezes, para arrefecer os sentimentos, travar as emoções e evitar que as lágrimas corram. As pedras desafiam a eternidade absolutamente alheadas dela. Gosto de pensar que seria terrível a imortalidade sem Deus e aceito que, um dia, terei de largar tudo e seguir para um lugar que nunca consigo definir nem imaginar. Prefiro ficar onde estou sem essas transcendências. Pertenço aqui, não exatamente a esta terra mas esta situação psíquica. Todos os devaneios do pensamento me levam a pesquisar a vida e a vê-la pelo lado menos consensual. Frequentemente vivo intensamente observando coisas pequenas, aparentemente insignificantes. Vem desse prazer o respeito por Manoel de Barros, o tal que alude à “importância do mínimo”, o poeta que, como eu, insiste em ser cão, pássaro, sapo para não se cansar de ser homem. Recordo agora que ainda posso citar, também, o José Mauro de Vasconcelos. As coisas que ele sentia na pele do menino que amava a lagartixa Chititinha, que tinha, numa mangueira do quintal, o principal confidente. Lia tudo sobre coisas assim, muitas vezes perdoando erros de ortografia, faltas de concordância, uso de calão estranho. Ainda hoje sinto que mais importante que as regras é a capacidade que temos de comunicar. O mais bonito do que tenho a dizer, não digo. Calo-me para que os olhos fiquem livres para falar, acompanhar, sentir e escutar. Invento as conversas e, muitas vezes, é assim que sei da vida de formigas, aranhas, ou grilos apenas para me integrar. Acontece-me muito dialogar com plantas, apreciar-lhes o requinte, o cheiro, a cor. O meu amor pelas árvores, por exemplo, ajuda-me sempre a adorar Deus. Se acham que sou louco, leiam os os escritores que referi e acrescentem Mia Couto, Ondjaki, Miguel Torga, Ramos Rosa, Leminski ou kafka. Todos estes e muitos outros cresceram pela importância dada ao “não importante”.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 02/10/2014
Código do texto: T4984944
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