Ruína

Vê se fica por aqui, nem que só mais um pouco. Só o suficiente para eu guardar teu rosto, tua expressão aqui comigo. Para eu conseguir lembrar do teu sabor nas horas em que nada mais puder me salvar, para fingir que te possuo por só mais um segundo. Me dá essa mentira, essa ilusão. Ora essa, não vai lhe doer nada que eu sei, então qual é o problema? Tu vives disso que eu sei. Vive dessa caridade, misericórdia que só faz-te enxergar-me cada vez mais de longe, então tem empecilho nenhum. Tu sabes da beleza que carrega consigo. Sabes do que faz comigo e com todas as outras passantes que sentiram teu cheiro, provaram de teu gosto como eu faço agora. E isso me mata, me destrói; tu nem sabes, mas é a razão de eu estar aqui até. Não quero de maneira alguma ferir-te, manter-lhe aqui sem tua vontade: tu podes sumir a hora que quiser. És livre, fim de história. Fim da minha, ao menos. Em momento algum tu me convidaste, me chamaste para fazer parte dela, eu sei-- fui eu quem me coloquei nesse redemoinho todo. Te vi de longe e quis na hora, no ato. Te senti em meus lábios mesmo não tendo esse direito, te possui sem teu consentimento em momento algum. E agora, peço-lhe por piedade: sei que este é meu crime. Fiz a jaula, construí-la e joguei-lhe dentro, fiz-te de refém. Não tenho apelo algum que valide meu pedido agora, eu apenas quero você. Tua presença, teu ar e toda a infinidade de sabores que ele carrega contigo. Vem, vem e sufoque-me, deixe-me morrer em meio aos teus braços, isso é tudo que eu quero. Que eu quero e mereço, uma morte sem lirismo algum, só a dor entrelaçada no prazer de anteontem que eu simplesmente não sei esquecer.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 02/10/2014
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