Certeza

Meu bem, vê se esquece disso tudo. Esquece, deixa ir, nem que só por hoje; por hoje, por agora que tenho-lhe aqui comigo, junto de mim. Em que posso te segurar, fazer todos esses receios sem verdade irem embora de ti, em que sinto teu gosto perdurado por mim.

Enquanto tu podes respirar, não deixes de fazê-lo. Suspira, recupere aquele fôlego mais profundo que já nem lembrava mais ter dentro de si: deixe-o tomar conta de qualquer inquietação que houver aí contigo. Deixe-me ser teu cais, teu porto, refúgio, fortaleza. Jamais tiraria de ti qualquer fração de sua beleza, sua força ou verdade-- estou para nada além de admirar-te de longe. Gosto de assisti-lo daqui, fingir que lhe possuo, que tenho permissão para dar um passo sequer além das fronteiras que conheço.

Quero conhecer tudo. Cada centímetro, cada tom de sua voz, cada raiva e mágoa, coisa que tu já nem lembra mais. Quero carregar-lhe para além desse chão sujo, cheio de restos, resquícios de um ontem que nem vale mais a pena lembrar. Eu não quero lembrar. Aceito o passado e o levo comigo dia após dia, mas agora chega, basta. Basta de ser escrava do que lembro, do que sei, do que impus para mim mesma; quero o novo, o impossível, o insano, o sabor da tua face e todos os delírios que possam caber em mim, minh'alma, meu ser. Quero a destruição que apenas a rendição pode trazer. Se este for o fim, que seja; que seja e eu o sinta, sinta sua dor e seu prazer.

Que toda a realidade deste abismo tome conta da minha pele já tão seca e sedenta por algo novo, que todo seu horror seja minha corrupção final. Se um instante disso tudo for verdade, sei que não irei me arrepender. Terei comigo de tudo, o gosto do surreal e todas suas adagas, seus golpes para testarem-me se posso permanecer em pé, aqui, com algum amor mais forte dentro de mim. E eu preciso saber se posso, preciso colocar-me à prova de uma vez por todas.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 23/09/2014
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