Ensaios Noturnos

A noite é uma porta fria. Ela se abre lentamente, e deixamos a brisa entrar. Ela vai tomando o ar como um sopro lento, dissolvendo todo o calor que a tarde deixou pingar. É uma eternidade que desliza em horas e comprime a respiração. E não há ninguém pra notar ou conversar, apenas você e sua mente. A mente que pode ser uma aliada imbatível nas horas de fé e esperança, mas que pode girar a lâmina da solidão, distorcendo cada segundo e transformando memórias em fardos difíceis demais de serem carregados.

O sono trás medos. Sombras escuras demais pra caminhar no mundo real, e que se escondem por detrás do peso das pálpebras, esperando o tempo ruir e o limbo invadir o seu ser. Revirando o caos controlado da realidade em um rio escuro e profundo de temor e incerteza, que vai atravessar o infinito da madrugada até o sol trazer tudo à tona. E o ciclo se reinicia.

A noite trás fantasmas, não do tipo interessante (ectoplasmas de pessoas há tempos longe deste plano, ou aparições no pé da escada); Do tipo assustador, que moram em cantos mal iluminados da mente, que as vezes ficam mais claros que a noite em si, e nos permitem vê-los por um momento, e o estrago está feito. Caminhamos entre escombros de nossos próprios erros, e os cacos cortam mais fundo que a faca que abre o pão pro lanche da madrugada. Os cacos refletem também, e não nos deixam esquecer aquele breve momento, por muito tempo, presos e suspensos, na eternidade da noite.

O vento também afaga a alma. Num frio delicado que tenta dizer que estará tudo bem, e traz consigo o sono bom, que faz desvanecer tudo num pesar rápido. Ás vezes somos agraciados com essa ilustre presença, o sono reconfortante, restaurador de força interna, e movedor de moinhos. Mas os dragões que estão nas sombras desses moinhos, por vezes, são muito traiçoeiros pra nossa mera visão quixoteana lidar. Mas insistimos por que cremos em nós mesmos, pelo menos, até onde a noite nos permite crer.

A cabeça pesa sobre o travesseiro que se torna pedra. A medusa mental faz questão de nos fazer notá-la dessa maneira. Subitamente, o corpo refuta a ideia da cama e começa uma guerra santa. Por vezes, nos sentamos e tentamos convencer com a medusa, fazê-la olhar para si mesma, para que o problema seja sua causa e solução. O inferno são os outros, e queimamos nesse paraíso de silêncio e escuridão. O vento faz sua rota, mas lá fora. Longe daqui a poucos metros.

E a noite então progride, em silêncio, em paz aterrorizante. Em campos de lírios ou de minas terrestres que a mente nos provém, mas sempre em frente, deixando novos fantasmas (vítimas frescas da noite) pelo caminho, pra que um dia mais tarde, quem sabe, nos encontrarmos de novo em meio a noite.