O Insubordinado Que Escapou da Fogueira
Erasmo de Rotterdam (1465-1536) é um dos exemplos mais ilustrativos da estratégia dos sofistas. Consta que ele era filho natural de um “padre” e também foi ordenado “padre”. Foi um homem de grande cultura na sua época e foi também a grande oportunidade perdida pelos sofistas, de retomar o rumo correto do verdadeiro cristianismo. Em seu trabalho “Elogio da Loucura”, ele denunciou a mediocridade e a hipocrisia, concentrando sua crítica mais aguda na própria igreja com a sua hierarquia e as suas instituições, as discussões eternas e as sutilezas sobre o hermetismo divino, que se utiliza do nome de Cristo -- atualmente talvez mais o nome de Maria, a “rainha dos céus” (Jeremias 7;16 a 19) -- para acumular riquezas e fomentar a guerra aos supostos infiéis. Ele questionou a existência de tantos rituais e cerimônias teatrais, que se contrapõem aos mandamentos de Cristo, centrados apenas na prática da caridade, propondo o retorno da igreja à simplicidade do início do cristianismo, o primitivo e autêntico. A sua orientação não deve se basear em uma Teologia dogmática e especulativa, mas sim em uma ética fundamentada na caridade e no amor ao próximo, que caracterizam o verdadeiro cristão, independentemente de formalidades exteriores. Erasmo vai além e ataca frontalmente os costumes dos membros da hierarquia eclesiástica, desde o “papa” até o “padre”, como contrários aos Evangelhos e condena o clero que pretende monopolizar o conteúdo das Escrituras e que reduz a religião a rituais e manifestações exteriores, quando deveria se ocupar da atividade ética e espiritual. Erasmo de Rotterdam, provavelmente tinha alguma fortíssima “carta na manga”, pois além da sua alta contundência, ele colocou o dedo exatamente nas “feridas” dos sofistas e mesmo assim, não o queimaram vivo, como era de praxe. Mas, de alguma forma eles conseguiram silenciá-lo e ainda trazê-lo para o seu lado nas disputas com os protestantes. Erasmo não era o “bobo da corte”. Ele era o mais genuíno produto do sórdido e falso ambiente, no qual tinha uma origem, que ao mesmo tempo em que o revoltava, garantia-lhe a sobrevivência, mesmo com o atrevimento de libertar parcialmente, as contundentes verdades, as quais, certamente, custariam a vida do filho de um simples “padre”. Sua procedência era a sua garantia, mas esses mesmos laços, ao final prevaleceram no sentido oposto e desviaram o curso das suas idéias. O pai não teve a coragem de mandar queimar vivo o próprio filho, mas o filho também não teve a coragem de denunciar e desmascarar o próprio pai. Como sempre, na aventura da Humanidade, as verdades são soterradas no fosso da sua História, e que Deus proteja quem eventualmente encontrá-las desenterrá-las e tiver a coragem de exibi-las.
A mesma sorte não tiveram Giordano Bruno, queimado vivo, e Pedro de Rates Henequim, estrangulado em 1744, cujos restos foram incinerados e espalhados ao vento, para que "nem dele nem de sua sepultura possa haver memória alguma", conforme a sentença da Inquisição.