AO REDOR DE "CÂNTICO NEGRO" DE JOSÉ RÉGIO
 
                     REPUBLICAÇÃO – Escrita de  2010




 
E assim termina o magnífico CÂNTICO NEGRO, do grande JOSÉ RÉGIO:
 

"Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei para onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!"
 

        Poeta, tomo para mim o espírito destes versos, como Fernando Pessoa tomou para si o espírito dos versos dos navegadores antigos. Minha vida já não é vendaval que soltou, nem onda que se alevantou. A minha vida se deixou prender, deixou-se sentenciar.
        Meu coração sem rumo... assim como meus passos. Minha alma escondida entre objetos e fotos e versos antigos. O Sol sempre pelo lado de fora da minha janela. As feridas asas dos  pássaros, os de fora e o de dentro.
        Ainda assim, Poeta, não conseguiram matar-me, completamente, as misérias e os desconcertos todos; há ainda em algum lugar de mim uma vida que insiste existir e essa vida, em ato de rebeldia, consegue neste instante dizer contigo, Poeta, dizer, com teus versos:
 
Não sei para onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!