Um Ensaio Sobre a Política Brasileira, a Existência e a Vida Escrito ao Longo de Algumas Cervejas
No apartamento da minha irmã, um teleoperador novamente, saindo do serviço para cuidar de gatas. Abri uma cerveja, aqui tem sempre cerveja das boas, das caras, vinhos bons, espumantes... Abri uma cerveja e fiquei me embriagando enquanto assistia a propaganda eleitoral gratuita na TV. Que comédia.
Quanta asneira, quanto desperdício de carne e sangue. Todos estes rostos velhos, cheios de pó, inertes, vítimas da gravidade, todos estes velhos e seus rostos mais velhos ainda, tentando perpetuar seus cargos, seus títulos, seus esquemas: o velho jogo da política e suas regras velhas, jogadores velhos, cartas marcadas... Por velhos!
É difícil imaginar que são seres humanos de tão artificiais que são. Falam, não, políticos não falam, eles discursam... E o que há em seu discurso? O vazio de promessas de migalhas pra satisfazer a massa débil, os milhões e milhões de espectros sem rostos que precisam se agarrar aos rostos famosos, seja ao rosto de um artista, de um músico, de um ator ou de um, bem, até de um reles político! Tudo para preencher o vazio de uma existência vaga, sem propósito, tediosa, repetitiva...
As pessoas, no decorrer da vida, precisam tomar uma importante decisão: Se vão perpetuar o jogo que seus avós, seus pais, seus candidatos vem jogando desde o Império Romano (que vai manter pobres perpetuamente como pobres e nobres aristocratas, oligarcas de bosta sempre como ricos) ou se vão se rebelar contra as poucas migalhas que recebemos como esmola de nossa "elite", nossas poucas mentes abastadas e aptas o suficiente para guiar-nos através da escuridão do futuro. Ainda que decidam, podem ainda, assim como eu, optar por não decidir nada e apenas contemplar o quanto estamos todos perdidos a mercê da catástrofe iminente, admirar a enorme bocarra que se arreganha para nos engolir sem piedade...
A maioria opta por crer nas mentiras e perpetuam o jogo, levando seus trabalhos a sério demais, procurando acreditar em sua própria importância para não ter de confrontar o vazio que é ser insignificante, atribuindo significados inexistentes a suas vidas mortas e medíocres. Somos todos isso, apenas isso. E não há muito o que fazer para escapar...
Portanto, quando caminho pelas calçadas das metrópoles, quando aguardo nas estações de trem, quando apodreço nos pontos de ônibus... Me sinto completamente só. Não há se quer uma única alma ainda capaz de viver, almas viventes! Humanas! Não há.
E então chega essa época triste em que tenho que ver velhos discursar sobre como devemos ser submissos, como devemos acreditar que serão nossos defensores e nossos benfeitores, ainda que só queiram limpar o próprio rabo... Ver e ouvir e encarar os rostos moldados por assessores, as falsas promessas, o palavrório convincente para as grandes levas de alfabetizados funcionais, é triste, me entristece, deprime. Seria melhor jogá-los todos numa arena e deixar a malícia sugerir o assassinato uns dos outros para coroar o vencedor do que ter de fazer parte deste circo "democrático", haja visto que, eu, como cidadão comum, só posso participar a vida pública e da democracia para escolher o próximo dentre os quarenta (mil) ladrões que ocuparão o cargo deixado por Ali Babá.
Por que não apenas abrir outra garrafa, desligar essa televisão brochante e brincar os gatinhos ou sair com a rapaziada pra encher a cara? Por que não? Me soa melhor do que ter um emprego (ainda mais como teleoperador), melhor do que ter sonhos pré-fabricados e instalados como um arquivo executável ("SONHOS.EXE") em minha alma pelos ditadores das regras do velho jogo. Não fazer parte desse sistema empoeirado me soa melhor que quase tudo, melhor até que sexo!
Aproveitando a deixa, vejam que até nosso coito não escapa do bom senso comum criador de tabus perpetuado pelas massas. É um sistema desanimador em todas as direções que quer controlar tudo que alcança e quer pavimentar caminhos seguros para destinos arredios demais! O próprio ato de transar, é um caminho que jamais aceitará o seguro. Sempre quer ser perigoso, arriscado, explorador, novo, perverso, fantasioso... Sendo o orgasmo o único real destino, e não esse patético "prazer dentro dos conformes" que tentam impor.
Comprem suas algemas, amarrem suas parceiras(os), comprem suas camisinhas, seus géis lubrificantes, seus brinquedinhos perversos e chicotes, fiquem de olhos vendados, apanhem e se arranhem, deixem o suor escorrer e os corpos, as carnes, se debaterem entre mil movimentos animalescos e bestiais! GOZEM SEU MEL CARNAL NA FACE DA PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA!!! Apoiem os homos, apoiem o amor-livre e a livre manifestação do amor num mundo tão cheio de desamor.
E façam essa algazarra embriagados de uísque, ou de vodca, ou do que seja lá o quê vocês bebem! Mas... Façam! Só não permitam que daqui quatro poucos anos eu seja obrigado a abrir outra garrafa de cerveja boa que nem comprada com meu dinheiro foi e ver estes mesmos rostos mendigando votos em troca de migalhas de pão.
Até nossas mortes nesse sentido são um ultraje: Vivemos como lixo e quando morremos somos enterrados em lindos caixões de madeira. Na terceira garrafa, já estou certo que os vermes que devorarão meus restos mortais não farão muita questão do luxo... Enquanto eu, apenas quero entender por que não é o contrário, por que vivemos tão miseravelmente? Vai ver é isso, pobre, só descansa quando morre!
Mesmo nossa vida insignificante e desprovida de esperança pode reservar surpresas, se vivermos fora dos padrões pré-estabelecidos, surpresas tão magnânimas como o fim do problema do transporte público abarrotado e decadente (tenho a impressão que o primeiro pré-requisito para abrir uma empresa prestadora de serviços no Brasil é desconhecer todo e qualquer significado que a palavra qualidade possa ter), do nosso sistema de saúde mercenário, mortífero e desumano, além de altamente lucrativo, da nossa educação pobre e seus professores mal remunerados, de nossas famílias frouxas, dos ensaios que o Vinícius escreve que parecem não acabar... Sim, é possível!
Mesmo este ensaio particularmente bobo pode acabar.
Não duvide.