Um contra a maioria
"Aprecio o indivíduo em sua tranquila e inócua singularidade, mas abomino todos os tipos de multidões."
(um eremita)
Um solitário sempre há de encarar a maioria com o olhar estreitado de quem nutre um ódio mortal em suas vísceras. Ele nunca saberá ao certo quem ou o que a maioria representa, pois essa massa sem rosto e sem uma vontade ou um objetivo definidos é tão fluída, imprevisível e traiçoeira quanto o mar. O solitário se verá cercado e eventualmente será sufocado pela maioria, seja em seu espírito, seja em sua própria existência física. A única certeza que o solitário terá com relação à maioria, à massa, é a de que a mesma é, e sempre será, irrecuperavelmente má.
Esta é, em síntese, a razão de ser do misantropo. Sua vocação é determinada pelo montante de anônimos agrupados em torno de qualquer centro gravitacional definhante instituído em sua circunstância social, moral, histórica ou utilitária, cuja existência muitas vezes o solitário tão apenas intui... mas que não pode deixar de execrar, ainda que inconscientemente.
Post scriptum:
O solitário é o criador que constrói aquilo que as multidões destruirão (no âmbito dos significados). O solitário também desconstrói: sua missão consiste em combater o espírito decadente de todas as atualidades, sacrificando-se pelo novo, pela sua concepção do que julga otimizado. Na atividade artística, o solitário é a nêmese do conservadorismo. Se possui tendências iconoclastas, tal se dá por acreditar que a substituição dos velhos conceitos pelos ideais que defende é um passo em direção ao futuro, mesmo que este avanço seja lento e quase sempre ocorra postumamente. O solitário não se manifesta nem respira no hoje: seu palanque, bem como seu oxigênio, se estabelecem no amanhã.