Vítimas

É algo tão insanamente difícil deciframos o que realmente sentimos. Ou melhor, o que realmente queremos. Afinal, o que um mero impulso quer dizer? O que representa, significa? A verdade absoluta sobre nossa natureza humana, talvez? É claro, isso é algo bonito, bom, lírico até de se pensar.

Mas sejamos realistas: o que a emoção diz verdadeiramente sobre nós: se nesse momento eu quero algo sem razão, predileção ou justificativa alguma, o que define essa sensação? Pois lembremos, não somos animais. Somos humanos. Humanos sentem, querem, tentam e erram, definem, escrevem, dizem de todas as maneiras que veem ser possíveis, dedicam-se sempre para pautar do jeito mais racional e expressável possível, o que realmente sentem dentro de si. Somos animais, então? Sentimos, queremos com todo o sangue, todo o ar e vida dentro de nós, ou seja, o que isso faz de nós? Seres racionais com alguma poesia enrustida dentro de si, talvez? Honestamente, esse é um pensamento pronto pra nos deprimir. Eu não sei o que sou. Ou o que posso. Apenas sei, no momento, o que quero.

Nesse pequeno, insignificante e inútil momento, quero gritar. Berrar pra todos os lados o que sinto e acredito poder, todas minhas falsas invencibilidades que consigo imaginar. Mas ainda assim, tenho a maldita consciência de que nada disso é real. Sou uma obrigação, essa é a verdade. Sou a rotina, o dever, a desgraça do saber ser artifício romântico algum. E agora, pergunto-lhes? Onde isso me coloca, classifica, separa? Eu não quero ser separada. Quero estar lá, junta e esquecida, perdida, jogada com todos os loucos e covardes, sentimentais e vendidos, amantes e mendigos que possam coexistir comigo nesse meio indefinível. Mas minha racionalidade inevitável ainda pede, ainda urge por uma resposta, e então? Nada. Sinceramente, vejo apenas o vazio.

A racionalidade, a lógica e a experiência, as teorias e vertentes infinitas duma consciência podem apenas desenvolver-se disso, desse cenário abstrato em que me encontro. Dos meus medos que quase me extinguem nesse instante, nos pensamentos sem ordem, nas vontades contidas. Somos isso, todos nós. Somos o impulso, o desejo sem pretensão duma criança que cresce, que vê e que sente as dores do mundo pronto para degolar-nos. Essa é a infeliz consciência presente em todos nós. Uns a encorajam mais, verdade-- mas ela existe, desperta em uns, já outros não, apenas isso.

Agora, o sentimento não: esse é outro caso, novelo pra desvendar e costurar, outra incógnita dolorosa que não dá pra classificarmos; ele é a essência, definição de cada um de nós, e honestamente posso lhes dizer, no dia em que o acharmos sua bendita resposta, nada mais nos restará. Então supliquemos à nós mesmos, vamos deixar isso de lado e apenas sentir, absorver toda nossa impotência nesse emaranhado de humanidade sem significado e apenas sermos gratos por estarmos aqui. Sentido e pensando, dando tudo de nós para irmos além dessa sofrida encruzilhada, por mais que saibamos que sim, no fim das contas, é inútil; somos todos, todos vítimas de nossa própria e incensurável humanidade.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 10/08/2014
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