Percepção

E foi assim, apenas aconteceu. É tão estranho, quase surreal de enxergar isso agora, que mesmo dando os passos no mesmo ritmo, contando as horas e as estrelas como sempre fiz, de alguma maneira o curso se redefiniu. Ou eu me redefini? É insano, simplesmente insano.

Insano como olhando de longe, posso ver o caminho que ficou para trás. O quanto de coisas novas vi, senti e me tornei sem ao menos tentar, apenas indo em frente. Em frente com todos os tropeços, as raivas, desilusões e infinitos conflitos que nunca sairão da minha cabeça. Eu estava lá. Estava presente, sentia a dor em toda sua forma e intensidade, guardei-a comigo e mesmo que relutando, dei mais um passo. Sua imagem me veio incontáveis vezes. O quanto quis resgatá-la, fingir que a possuía mais um pouco, me prender nessa projeção vazia que fiz de você aqui. Você não é vazio. Nem os outros rostos, outras vozes e outro tantos toques com que sonhei e mesmo que por pouco, fantasiei com. Foram todos embora, vê se pode. Mas eu não, eu tive de permanecer. De vê-los partir, de querer, espernear, lutar contra o mínimo instinto humano que ainda encontrava em mim. Achava que seria tudo em vão, de verdade. Mas é incrível! O mínimo tom, gosto do que há tanto já se foi, quando vem e me toca novamente faz-me enxergar: eu tive e fui de tudo, e agora só me resta a gratidão.

Sim, eu senti. De algum jeito, tornei-me algo, alguém. Fui possuída por todo tipo de emoção, de desejo alheio, de consciência insistente da qual não consigo fugir. Eu vi as coisas mais belas que hoje consigo imaginar, eu as criei, toquei, colori e doei-as da melhor maneira que pude. Chega. Chega de culpa, remorso, amargura ou excesso de razão-- um relance que for já me lembra do caminho insano, perpétuo e cativante que, ora essa, sem querer eu percorri. Dele eu me orgulho e tiro fôlego, todo fôlego que puder para andar hoje e de algum jeito, cultivar esse amor. Amor por todos, por mim e por ti, seja lá quem for no final das contas. Mas venha antes, por favor. Eu quero lembrar e doar o que puder para botar-lhe esse sonhado sorriso em tua face.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 17/07/2014
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