Abnegação
Eu me recuso, apenas me recuso a dizer a palavra. Bom, o problema não é a palavra em si, mas sim o inferno, o caos (delicioso) que ela representa. É, ele é de um prazer gigantesco, eu sei. Mas não chega nem perto de equilibrar-se com o que traz em contrapartida; com a dor, a queda, a verdade que rasga e dilacera o tolo que ousa acreditar nisso tudo. Eu não serei a tola dessa vez. Ah, como já fui. Como cai na mesma maldita armadilha vez após vez, sempre achando que não havia chão, que me era destino flutuar daquele jeito, que não precisava mais abrir os olhos. Admito, o que vi enquanto descia para o fim foi belo demais e hoje traz-me até nostalgia, mas a dor, essa eu carrego até agora, por mais distante que tudo isso seja. A dor persegue. São infinitas cicatrizes semi-abertas, sempre jorrando sangue toda vez que as tocamos, mesmo que sem querer. Eu quero, quero demais dar-me esse presente, a ousadia de dizer em voz alta nas paredes da minha mente o que eu sinto, ou ao menos acredito sentir. Mas nesse caso, a negação é a única coisa a ser feita. Apelar para o cinismo e fingir que nada disso está acontecendo dentro de mim. Entre a mínima amostra de prazer e mais uma eternidade de ressentimento para eu carregar, eu escolho a primeira e todo o silêncio monótono, a culpa da mentira e até mesmo do maltrato que me causo. Vai valer a pena, eu sei que vai. Não sinto mas sei, e preciso acreditar nisso, pois dai-me só mais um pouco de fé nesse absurdo que eu me entrego de vez, me afogo nesse sentimento que não vou, não posso pronunciar. Dê-me tempo e com tristeza eu lhe garanto que tudo voltará ao normal.