Equilibrista

De verdade, eu não gosto de lugar onde estou agora. Nem de como me vejo, sinto e o redemoinho de pensamentos embaraçados que ocupam a minha cabeça. Não gosto do que fiz, pensei e até mesmo quis. Afinal de contas, ninguém me colocou aqui; fui livre o suficiente para escolher meus próprios passos, então tenho o dever de enfrentá-los também. É claro que não foi tudo feito de dor. Dei-me felicidades imensas, indescritíveis. Sensações e resoluções, ideologias e vontades, ilusões quase que mágicas que criei e guardei por mim mesma. Mas agora não sei, realmente não sei se isso tudo serviu-me de algo, se ao menos foi real.

Aliás, o que conta de verdade, pode ser tomado como real? Se teu sonho te faz feliz, mesmo que de maneira enganosa e superficial, não deixa de fazer. É a inatingível alegria que reside na ignorância. Fecha-se os olhos e conta boas, belas mentiras para si próprio; mesmo consciente do seu estado, você escolhe isso, escolhe sentir o gosto da sua ficção. O nosso imaginário é um local incrível! O que faz conosco, nos proporciona, faz enxergar e criar, querer, acreditar... Mas sim, sem a força fundamental, a vida por si só, ele não vale nada. Isso é algo tão difícil de se digerir. Que aquilo que queríamos quando não tínhamos controle ou poder nenhum, quando o sonho era nossa casa e nosso chão, nada valeu de verdade. Eu não consigo conviver com isso. É claro, no momento em que estamos cientes de quem somos e do que podemos fazer, é nosso dever essencial, nossa tarefa de sair e vivermos, de deixarmos a fantasia para trás. Mas e aqueles que não conseguem fazê-lo, não sabem? Não é nem uma questão de querer. O sonhador quer, quer mais do que qualquer coisa segurar as rédeas de sua vida e correr, partir de sua redoma e ver o que existe além de uma vez por todas. E ele tenta. Ele quer, dá tudo de si, do que tem e é de verdade, mas não tem como. Lá não há ar, chão nem nada para fazê-lo viver como é, viver da única maneira que pode: vendo o que não existe, querendo e sentindo o sabor do irreal. À partir de então, sim, passa a ser uma escolha. No momento que levanta-se dessa queda, que ainda acha em si algo para projetar nesse horizonte cinzento, faz sua escolha de uma vez: ele se entrega. Entenda, ele não desiste, mas sim, junta todas as suas forças para enfrentar isso, essa junção de universos, essa aceitação da loucura que possui e como fazer para não afogar-se nela. E quem sabe, nem que só por um segundo, a compartilhar com alguém. Esse alguém parece-nos outra ilusão impossível, mas se uma fração desse sentimento provar-se real, é o suficiente para nos fazer acreditar por uma vida inteira.

Quem sonha vive de migalhas, realmente-- mas delas, extraí todo possível sabor existente para saciar a sua fome. Fome de vida e de quem quer mais do que qualquer coisa, viver. Viver com orgulho da própria ingenuidade, segui-lá fervorosamente e não esquecer quem é e o que possui. Sua bagagem boba, insana e intocável para todos, mas de valor imensurável para si.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 03/07/2014
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