garota imperfeita, muito imperfeita
Durante toda minha vida, sustentei obstinadamente um orgulho irreverente, sobre mim mesma. Mas agora, não sinto mais orgulho de ser quem eu sou, de jeito nenhum.
Sou um ser humano com uma porção de defeitos e vícios ruins, sou uma garota estranha, socialmente desajustada, desprezível, sou péssima. Durante a tarde inteira, esta realidade doeu em minha mente durante o sono, no qual me dei conta de quem realmente sou. E a descoberta vazia, amarga, de que eu não sou ninguém, foi a última coisa que eu esperava. Eu, que sempre acreditei que era especial, diferente das outras garotas, aparentemente a mais feia de todas, mas interiormente especial, descobri que não sou nada.
Não sei o que me levou a esta descoberta, mas sei que no fundo, ela é benéfica. Pois, pela primeira vez na vida, enxerguei o que antes não podia enxergar, enxerguei o que somente os outros são capazes de ver.
Por isso, luto para não chorar. Isso seria tão estúpido. Sou uma adulta. Uma adulta. Chega de agir como criança. Chorar não muda nada, nada, nada. Nunca mudou absolutamente coisa nenhuma na minha vida. É preciso encarar ISTO com seriedade, encarar ISTO nos olhos, sem medo e com atitude. Por que ISTO sou eu. E ISTO é detestável.
Esta descoberta foi se esboçando vagamente no meu senso analítico, ha alguns dias atrás, quando eu comecei deixar de lado as histórias que eu laboriosamente compunha para outros. Personagens fictícios criados pela minha mente, as quais eu dava existência através da escrita, algo que eu sempre amei fazer. Mas enquanto eu ocupava meu tempo e minha criatividade criando belos romances literários, minha própria vida não estava sendo escrita em linhas retas, mas em linhas ondulantes, em altos e baixos. Comecei a me dar conta de quanto isso era irônico. Enquanto meus adoráveis personagens viviam experiencias surreais em seu mundo irreal, la estava eu, a autora deles, trancada num quarto velho, como que cumprindo a penitencia por ser quem eu sou. Lá fora também, no ônibus, nas ruas e no trabalho, a rejeição social continuava me castigando, me chicoteando pelo mesmo motivo.
O pior de tudo é confessar que tudo o que fiz ou escreví até hoje foi em vão. Passei a vida inteira envolvida pelas histórias dos outros, enquanto a minha própria história estava perdida. Tudo o que escrevi até hoje sobre a vida, o amor e as pessoas foram conjecturas, teorias e ideais. Nada mais. Meu conhecimento a respeito desses assuntos nunca foi profundo. Eu, que sempre amei a ficção literária, e sempre irei amar, admito que nada sei sobre os assuntos sobre os quais tanto penso
Essa é a realidade, tão diferente do que escrevo, e eu sempre soube disso.
Mas, apesar de meu mundo estar realmente em ruínas, foi o meu espírito sensível e sonhador que me fez enxergar além disso. Além das paredes do meu quarto, algo mais interessante que isso. Talvez isso tenha sido uma inconsciente estratégia de sobrevivência.
Por que eu sempre sonhei com algo além da vida real. Algo extraordinário que não captamos no cotidiano. Detalhes especias em coisas que ninguém mais pode notar. Isso é altamente inspirador. É utópico, é irreal, mas é justamente disso que se trata a ficção.
Algo começa acontecer agora, uma espécie de conflito entre dois elementos do meu cérebro. O meu senso realístico e meu instinto sonhador, lutando para assumir o comando. Minha visão é uma tela de vidro, que capta a realidade nas cores sombrias que meu senso realístico programa. mas quando elas se transformam em cores belas e encantadoras, nisso percebo a ação da minha sensibilidade. Isso me deixa em dúvida. O prisma da sensibilidade me absolve dos meus defeitos, me diz que eu possuo algo muito especial, sim, e que não devo deixar de acreditar nisso. Torna as coisas mais suportáveis. Enquanto o senso realístico não perdoa, autoritariamente me força a assumir uma atitude forte em relação á realidade sombria, expondo as coisas mais desagradáveis diante do meu nariz.
Agora não sei em qual deles acreditar. Apenas quero a verdade. Sobre ela irei reconstruir minha vida a partir de agora. Não importa se ela for cruel demais. Estou pronta para isso.