Enfrentando a Noite [ENFRENTANDO O INÍCIO DO DIA]

Aqui estou eu novamente botando meus olhos para enfrentar a escuridão que se tomou forma bem à minha frente. É curioso perceber como o silêncio do escuro é sorrateiro. Este ermo me corrói como garras de arames farpados que nascem da ilusão. Implode meu coração e oblitera meu espírito. Estou morrendo nesse instante, pois viver implica em sentir, e não sinto nada mais.

Estou encarando minha própria imagem decomposta pelas sombras. Como se estivesse parado à beira de minha própria cama, mas as trevas estão acima de mim. Seu corpo é gelado, o único calor que quase não sinto emanar é o coração que clama por vida, mas este já está engolido pelos meus próprios sentimentos impuros. Estou paralisado, estou entorpecido. Não existem mais o ódio ou amor, apenas as cinzas de uma alma carbonizada.

Cá estou pensando que a felicidade é apenas um devaneio do pensamento. Que a vida é somente o período de funcionamento da carne. Que Deus é a maior utopia dos homens. Que a fé é somente o medo da realidade. Não existem mãos que abanam do céu... É a impressão que tenho neste momento. E esta escuridão continua a me corroer com suas garras abstratas, com seu ar insólito, com seu silêncio traiçoeiro, com os olhos do demônio...

Assim, é impossível levantar o corpo desta cama. Sono da miséria. Preguiça original, pecado pútrido. Difícil concluir que uma luz irá nascer bem ao centro do negrume, e irá dissolver todas estas trevas que me consomem com as línguas ávidas e os dentes sôfregos. Canibais do silêncio. Gatunos de coração. Degradadores da pureza do espírito. Demônios invisíveis que metamorfoseiam em seres dos meus medos.

Ah, mas esta escuridão é tão tola que nem ao menos tenta me convencer. Ela é um verme parasita que se alimenta dos meus sonhos. Precisa de mim, pois sem a minha dor, ela não pode existir. É apenas uma sombra ao canto da sala. É apenas o conchego à hora do sono. É apenas a penumbra do descanso. Eu estou vivo... Novamente sinto meu coração vibrar, meu espírito se agita, minha alma clareia à alvorada.

Apenas uma lição: O que muito se quer, é precioso. Se as trevas querem meu espírito ao ponto de me aprisionar para retê-lo, é porque nada é mais valioso do que ele. Num instante todos os sonhos se colocam ao meu horizonte e me desafiam a persegui-los. Todos aqueles idílios que a escuridão zombava de mim por neles acreditar novamente ganham vida e se escondem apenas para excitar a minha persistência. Desta vez não está mais escuro. Sinto que as trevas se foram, e não me importa em saber que elas ainda irão voltar.

‘‘ Um ponto de treva não engole a luz, mas um ponto de luz acende a escuridão, isso prova que o bem sempre vence’’.