Pensamentos de SEBASTIÃO BEMFICA MILAGRE (1923-1992) em http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/mestletras/A_DISSERTACAO_de_JOSE_JOAO_BOSCO_PEREIRA.pdf
“(...) deixo este prazer ao próprio leitor que,
a cada página, poderá tirar a mensagem que
souber encontrar no subjetivismo dos textos.
O autor, ou eu, diante de qualquer
interrogativa do leitor de repetir, tão
somente, [faça como fez] a atitude de
Beethoven que, quando interpelado, por uma
ouvinte, a respeito do que significava aquela
sonata, sentou-se, mudo, de novo, ao piano,
e reexecutou a obra.” Prefácio de Juventude
utópica (MILAGRE, 1986)
_______________________
“Escreve sobre tua aldeia e serás universal.”
L. Tolstoi (apud CAIRO, 2009, p. 40)
“E eu tenho de te olhar com os olhos da alma,
“Cada um é ator a seu jeito
na tragicômica lida
do teatro mais perfeito
que é o teatro desta vida.
O autor, em 1990.”
(MILAGRE, 1991, p. 31)
___________________________
(...) senão sussurrar ao vento
o segredo de terem visto
um enorme diamante de tuas ruas (...).
Há um comércio a varejo
que noutro lugar não vejo.”
(MILAGRE, 1963, p. 69)
A presente dissertação de mestrado analisa a produção intelectual de Sebastião Bemfica Milagre (1923-1992) a partir dos estudos sobre os arquivos e a memória coletiva na tradição e na modernidade em Divinópolis entre 1940 a 2011.
______________________
“A glória é ter exercido
uma função policial
sem ter praticado sevícia
Glória é passar/ pelas ruas
Desarmado/ como sempre,
e, de muitos, escutar
(cujos nomes já esqueço)
cumprimentos de efusão
- Oi! Como vai, Sebastião?”
(MILAGRE, 1990, p. 59)
__________________
“Quando fiquei viúvo,
não fiquei solitário;
Poesia – instrumento
de meu todo momento;
chama viva que empunho.
A Poesia está a bordo
na viagem da minha vida.
A Poesia me socorre
com palavras/ para o registro
do que penso, vejo, sinto...”
(MILAGRE, 1990, p.132-3)
_____________________________
“Tudo era tão difícil e tão bom. (...)
o passado jamais acaba,
é guardado pelas palavras.
Além de homens, somos palavras e versos (...).
Vivemos eternamente em cada verso,
na interrogação sobre esse mundo demente...”
(OLIVEIRA 1990, p. 2)
___________________
“Tendo começado a escrever poesia em 1940, fui editar o
primeiro livro vinte anos depois. (...) Passei por todas as
tendências literárias, mas nunca me apeguei a nenhuma.
(...) Quero encerrar o ciclo das minhas edições nessa área.
(...) Assim, dou por encerrada a minha contribuição à
poesia divinopolitana. É um modesto legado, mas que foi
feito com carinho.” (MILAGRE, 1987, p. 11)
__________________________________
Na introdução de Gomos da Lua (1963), há a preocupação de Sebastião
Milagre em dialogar e atualizar a tradição, mostrar a ficção cientifica espacial, os avanços tecnológicos, a crítica às guerras químicas do século XX. Era uma visão que sobrepujava a comodidade da cidade mineira do interior, marcada pela religiosidade legada pelos lusitanos em Minas Gerais e representada em Via-Sacra (1961). Em 1963,
Milagre afirmava:
(...) vem sendo a minha preocupação fundamental dar aos leitores uma
ideia sucinta das maravilhas e dos problemas do nosso tempo, embora,
às vezes, penetre o solar da ficção. (...) As imagens do Homem – a
conquistar o Espaço, a vencer as moléstias e a optar pela sua
felicidade – estarão para sempre arquivadas na existência da
Humanidade. Resta, no entanto, saber se é (...) transição do perigo
para o perigo. (...) Só o tempo trará a verdadeira resposta
(MILAGRE, 1963, p.13) .
___________________________
Eis o trecho de Gritos (MILAGRE, 1972) em
que ocorre a melancolia de Sebastião Milagre:
“... É assim que o destino bate à porta.”
(Beethoven)
trombodoença assoma
a sombra assombra
fataldia
porque a Lilia foi-se?
ah! foice
era esposa noiva
morrenova
estou a atri
batido bulado
ver amo
gastado finado
entre tanto
amor mor não mor
re
li li amor
minha na
morada
quando e quanto
te terei hoje-sempre?
querida
quero ida contigo
e ter na
feliz-cidade. (cf. MILAGRE, 1972, p. 57)
São memórias pessoais em rede que constituem a memória coletiva e história da localidade em diálogo com a modernidade tardia.
________________________________
CRÔNICAS DE SEBATIÃO BEMFICA MILAGRE
A minha máquina de escrever, de S. B. Milagre, no carnaval de 1962
Crônica inédita “A minha máquina de escrever”, manuscrito em letra datilografada vermelha de S. Milagre, em 1962, disponível no Arquivo de Maria do Carmo Mendes.
Minha é modo de falar. Ela é do Estado e foi fornecida pela Secretaria de Segurança Pública, para servir no meu cartório. Meu, também, é o modo de dizer. Ele é da Delegacia de Polícia, e eu, seu operário atual. (...) Joaquim Rosendo trouxe uma nova máquina, Remington, nº BJ –
4.116.407, no carnaval de 1962. A antiga Continental foi para cima do armário de aço, que parece o meu vetusto relógio de vinte anos atrás. As pessoas perceberam a substituição.
Algumas dizem que até que fim. Eu digo que fale mais baixo, porque a outra está ali (...) e a nova poderá imaginar o dia em que dele tiverem opinião idêntica, no futuro, e se desconcertar no seu dever de agora. (...) E, há, afinal, os passadistas, que, frente a frente, com a nova máquina, manifestam seu receio de que não seja como a outra, pois tudo o que é fabricado no momento, apresenta as mais contundentes deficiências. Como variam as opiniões. Como as pessoas pensam de mil maneiras. Um dia, chegará a minha vez de ser substituído. Caso igualzinho ao das máquinas. Ao que estiver ocupando o meu lugar, virão pessoas que agora atendo. Dir-lhe-ão que o seu antecessor era muito nervoso e já estava precisando de descanso; dirão ainda que eu era um bom funcionário, e, finalmente, outros terão coragem de se referir,
desairosamente, à minha pessoa. Quero ser como a minha velha máquina de escrever. Ela me dá uma enorme e sábia lição, a de silenciar ante as mais diversas opiniões que formulam sobre o
que foi na vida.
J B PEREIRA (2011)
http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/mestletras/A_DISSERTACAO_de_JOSE_JOAO_BOSCO_PEREIRA.pdf
____________________
Este é o último prólogo, em Quartetos de Sopro (1991), de Sebastião Bemfica Milagre.
ADEUS!
Este é o meu último livro de trovas. Estou me despedindo.
Desde que comecei a escrever nos idos de 1940, a trova sempre me acompanhou.
Nunca deixei de cultivá-la. Nos anos da década de sessenta, quando esse gênero poético sacudiu todo o Brasil, com uma pujança nunca igualada por outro movimento literário, eu falei “presente”, editando “Toma cuidado, Menina”, “Pão de Sal” e “Pastilhas”, além de ter integrado o Grêmio Brasileiro de Trovadores e a União Brasileira de Trovadores através do numeroso núcleo local, que realizou, com inaudito sucesso, três etapas de Jogos Florais: data de então o
meu conhecimento pessoal com os maiores trovadores nacionais.
Mesmo depois do declínio das atividades trovadorescas, a trova não me abandonou,
nem eu a ela. A prova é que editei, em 1985 e 1986, os Volumes “Almanaque” e “Lápis de Cor”.
É claro que, a par de perlustrar o mundo maravilhoso da trova, trabalhei as outras formas poéticas. Como posso provar com os vários livros que editei, desde o soneto até às mais avançadas realizações do espírito oficinal de modernidade. Acho que o poeta deve ser fiel a todas as manifestações literárias de sua época, não descurando, no entretempo, os modelos de criação válidas, principalmente aquelas que falam mais de perto ao povo e que pelo povo são preferidas. Valeu a pena.
Nunca tive desejo de projetar-me fora de Divinópolis; aqui, pelo contrário, tenho feito o que posso em prol da literatura. Membro criador do lance trovadores e integrante do Movimento Literário Agora, dispersei-me com publicações em jornais e revistas e na fala radiofônica, sempre desinteressado de qualquer lucro. Digo, alegre, jamais vendi um livro meu.
Agora, fecho a série de livros de trova. Sempre, no entanto, que me ocorrer oportunidade para fazer uma trova, não negarei a raça, porém, toda produção posterior ficará inédita. Tudo tem sua hora na vida.
Agradeço aos trovadores "divinopolenses" aos de outras localidades do Brasil, o incentivo, o acolhimento e o carinho que me dispensaram. Ao público que me honrou lendo minhas trovas, minha comovida gratidão. Divinópolis, MG, em 1990.
http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/mestletras/A_DISSERTACAO_de_JOSE_JOAO_BOSCO_PEREIRA.pdf