Perder-se Também é Caminho
Sobrevivo de realidades inventadas. No sono vivo de sonhos, mundo em que estou e não estou. O ser que adormece agora não é nem a sombra do que acordou pela manhã. Passaram-se pessoas, fatos, gestos, toques, palavras... servindo hora como faca afiada, hora como a mais eficiente essência de crescimento. Vagueio por entre esses momentos, cada qual diferente do anterior. Nada é constante. Livrei-me da escória do passado onde fazer tudo certo era prioridade. Descobri que deixei de viver e que na verdade nunca vivi, pois tudo passa, como as nuvens a favor da brisa ou de ventos mais fortes.
Talvez o caminho não tivesse sido esse, caso não houvesse também, me perdido. Talvez a realidade fosse pior (ou melhor quem sabe?) que essa constante metamorfose de agora, que seria metamorfose de qualquer jeito? Quem sou eu para definir o certo e o errado? O melhor e o pior? Apenas vivo. Ou sobrevivo, dos entalhes de outros sobreviventes que já estão lá adiante, onde minha vista não pode alcançar. Colho as frases em que me encaixo, os pensamentos com os quais concordo e me surpreendo por termos tanto em comum. Quem disse que verdades são sempre palavras bonitas? Não! Belas ou monstruosas, verdades são sempre verdades.
Se tudo é passageiro, porque velhos pensamentos insistem em voltar à tona? Porque o sofrimento insiste em deixar sua marca quando passa? Já passou, não? Eu não sou o mesmo, então qual a razão de permanecer carregando comigo feridas de um ser que não sou? Ou que fui em um passado distante? Quero o novo, o belo, o inesperado. As surpresas, os gritos de "Oh", os risos, os aplausos, a gratidão sincera, uma marca construtiva. Nada que tenha sido previsto me agrada.
Mentir pode ser um caminho que nos salve, por hora. Não quero enganar ninguém dizendo que existem bússolas, ou espelhos, ou algo que nos sirva de guia para chegar onde queremos. Escolher pode ser uma ilusão, pois, ou os caminhos do mundo são predeterminados ou tudo é mesmo muito dinâmico, e caso a escolha esteja errada a culpa é toda sua. E, no fim de tudo, nossa vida, nossas palavras, nossas atitudes e tudo o que é ligado a nós está desencontrado, separado,
perdido. E talvez a única forma de nos encontrarmos seja nos perdendo primeiro, pois, afinal de contas, perder-se também é caminho.