A Última Noite em Meu Quarto Azul
A porta estava fechada. Empurrei-a e me deparei com uma visão bem diferente da habitual: Minha estante de livros estava agora vazia, nela apenas o computador. As gavetas estavam abertas e não revelavam nenhum conteúdo em seu interior. A cama, forrada e limpa, apenas me esperava para o que seria minha última noite naquele quarto de paredes azuis. O meu quarto. Meu primeiro quarto. Não eram muitos os anos que me prendiam àquele cômodo da casa, tampouco as lembranças, pois nada memorável acontecera ali. Não eram também os sonhos em que eu acordara de repente e me deparara com a escuridão da noite fria, quando o vento entrava pela janela fazendo balançar a cortina. Era meu aniversário, em dezembro e como de costume pendurei minhas luzes de natal no andar de baixo da casa. A chuva caía forte, castigando os telhados vizinhos e lançava lufadas de vento pela janela. As luzes piscavam lá fora, coloridas, em um brilho embaçado no vidro enquanto eu me punha a pensar. Me mudaria no dia seguinte para bem longe, distante do meu quarto, família, amigos e de todas as coisas vividas naquela pequena cidade do interior, onde minha história começou. Quantas vezes aquelas paredes me viram sorrir com os livros que foram meus melhores amigos por tanto tempo? Quantas vezes elas foram testemunha de minhas tristezas e choros constantes onde não havia ninguém para desabafar? Será que haviam notado as conversas que eu costumava ter comigo mesmo e me acharam maluco? Ou haviam me compreendido sempre? Afinal de contas, paredes isolam. Podem servir de prisão e, ao mesmo tempo, refúgio. Podem ser a segurança de alguém que foge dos pensamentos ou apenas procura um lugar seguro para conversar com eles, em particular. Acho que elas me serviram de tudo um pouco, pois as vezes eu só queria ficar ali, olhando para cada uma delas, sempre impassíveis em seus julgamentos, o que me obrigava a voltar para mim mesmo, a pensar na vida que se passava lá fora e nas coisas que faziam parte de mim. Me convidavam a criar histórias interminadas em folhas de papel que alimentavam meus sonhos de criança e a criar esperanças infundadas a respeito de tudo e de todos. Foi dentro delas que cresci e refleti sobre meu próprio mundo e as maravilhas que haviam nele, muitas das quais ajudei a construir. Penso que, se as paredes pudessem falar, haveriam conversas intermináveis sobre um menino que vivera ali, cercado durante muito tempo por elas. Curioso. Sonhador. Confiante. Corajoso. Que precisou chorar e sofrer para ficar forte, aprender a enfrentar a vida cara a cara. Um menino indecifrável sobre o qual era impossível afirmar se estaria feliz ou triste no momento seguinte. Poderiam rir de minhas danças desconexas antes de ir para a escola e de minhas cambalhotas na cama ou se compadeceriam ao recordar meus constantes dilemas em voz alta. Quem sabe até fariam orações em resposta a tantas que fiz olhando para elas? O sono chegara e eu fechava meus olhos cada vez mais. Abri- os novamente para dar uma última olhada ao redor e agradecer por guardarem meus segredos para sempre. "Amanhã"- pensei em voz alta- "o único azul que verei será o do céu acima de mim".