Canção da Existência
Dançamos, tremulantes, esbarrando uns nos outros, a melodia universal da existência que nos movimenta. Somos como notas terrivelmente desafinadas, sem uma essência definida, perturbadas, sempre buscando uma tonalidade tritônica, obscura, desconhecida, nos acordes da loucura e da tristeza. A sinfonia se estende pelos infindos mundos existentes, desde a sensação mais imperceptível até o cosmo febril, fulgurante, incisivo e intenso das estrelas. Procuro a nota, o som, a melodia, a poesia que eu sou, que guarda toda a mágica do meu existir — e eu choro, imploro horrores para que eu possa escutar quem sou, mas por fim nada escuto.
Cantam os pássaros, felizes, em profunda comunhão, formando uma encantadora harmonia junto aos eflúvios poéticos que exalam das divinas flores; a aragem sopra nos arvoredos como flautas transcendentais que se misturam ao uivo que ecoa dos longínquos e perigosos matagais; o sol, coroando o mundo em ouro vivo, adornando-o com a luz de sua vida, dá-nos o brilho áureo que sinfoniza a chegada da aurora dos encantos. E eu escuto a melodia que o cosmo canta, fito atônito o mistério profundo o qual habitamos, de olhos arregalados como um predador faminto que se oculta nas trevas de imundos pântanos.
Enquanto escrevo minha lira se agita, grita, esbraveja suas cordas na partitura da humana poesia, assim vou constelando sinfonias na sintaxe de minha vida.
São tantas canções, infinitas melodias que abrangem a vida, por isso nos perdemos e seguimos sem ouvirmos a nós mesmos, surdos para a música que arquiteta, dentro de nossos corações, a valsa universal da existência.
Engelhadas as faces lívidas, domados pela senilidade e seus caprichos, cabelos brancos agora simbolizam o augúrio lúgubre da melodia sepulcral. Embalar-nos-emos no silêncio eternal quando chegar a hora de repousarmos no eco de nossa própria música. Assim seguimos para o fim da vida, levados pela funerária melodia, enquanto vamos escutando o som funéreo, triste, das enxadadas dos coveiros lúgubres. Findamos então nossa carne na treva das covas profundas, e na escuridão do sepulcro comungam os vermes na matéria imunda, cantando a última canção antes de se sepultarem junto a nós nos acordes mudos do esquecimento.