Redoma bonita

Adoro esse semi-ressaca sofrida do final de semana. Sabe, a alegria boba já passou mas não se está totalmente presente, ainda gira um pouquinho, vê aquilo que quer, essas coisas. É tão bom! Quase viva, quase consciente, quase aqui para você, para o que eles acharem de mim, para eu mesma. Inferno, eu me tenho tanto; o tempo todo, me possuo, me seguro, me rodeio de desculpas, de pretextos para largar e só chorar de vontade de ir em frente. Não existe redoma mais segura do que a minha, gaiola mais bonita, atrativa para quem olha fora, mais mentirosa, maldita, ardilosa. Ardilosa comigo mesma, diabo. Eu a fiz e não sei mais qual é a sua saída, por qual vão posso escapar, qual brecha vai enfim me deixar respirar. Não, daqui só dá para espiar, fingir que estou lá, que os sinto, os tenho, guardo aqui junto de mim. E eles, eles vão, é claro. Sempre irão, deixarão seus rastros convidativos, me provocarão para brincar, me farão de trouxa, de joguete dos donos do desejo, da vida em tudo que ela pode realmente ser. E olha, por mais que a vista daqui seja bonita, colorida e tudo mais, ela me dói. Machuca minha retina, me tenta, me engana, faz pensar que, quem sabe existe lugar lá para alguém como eu. Tão fodida, perdida, esquecida pelas implicações básicas de tudo, dos outros, tão ignorada pelo sopro de vida que corre, varre tudo que vejo pela minha janela. Ah, quem me dera ser uma dessas pessoas! As que sentem, estão, são, perdem e ganham uns com os outros, mal sabem quem são e respiram o ar sujo do agora-- essa que é a beleza e a tragédia da coisa: pode lhes doer o quanto quiser, quando só se olha, tudo é lindo, formoso. É a perfeição que nunca terei, só vou guardar na memória para me lembrar segundos antes de cair no sono e fingir só mais um pouco que sim, pode ser que até exista alguma vida em mim.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 24/05/2014
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