Tirando Véus - Revelar
Existe um costume na Igreja católica, que é o de descobrir o crucifixo, na sexta-feira santa, enquanto entoa-se um refrão contemplativo: “Eis o lenho da Cruz, do qual pendeu a salvação do mundo”, que é salmodiado com a resposta: “Vinde, adoremos!” Esse gesto é repetido três vezes, e a cada vez, descobre-se um membro do crucificado, até que ele todo seja descoberto.
Sempre atento a esse gesto, resolvi pensá-lo de uma forma a atualizá-lo, trazendo-o para a nossa vida. O ato de descobrir, me fez lembrar uma fotografia. A fotografia passa por um processo de revelação, e revelar significa tirar o véu, fazer conhecer, tornar visível... e só depois de passado o processo de revelação, podemos saber como ficou a fotografia, podemos conhecer os lugares por onde um amigo caminhou, as pessoas que conheceu, ou então, podemos apresentar pessoas que conhecemos e lugares por onde passamos. Mesmo na era da fotografia digital, o gesto de revelar ainda existe, embora muito mais rápido e instantâneo, não deixa de trazer consigo o mistério da expectativa de saber como “saiu na foto”.
Quando, na celebração, o crucifixo vai sendo revelado, ao mesmo tempo é apresentado à comunidade ali reunida, que o saúda. Nós temos muitas coisas pra revelar a muita gente, quase todos os dias, isso faz parte do nosso cotidiano. Numa conversa informal, revelamos coisas que nosso interlocutor não conhecia, e nos são reveladas tantas outras coisas, que depois revelamos a outros e a outros... e assim forma-se uma cadeia de informações que gera a sociedade que se comunica.
Entretanto, essa sociedade, muitas vezes, se esconde em diversas atitudes hostis à ordem natural das coisas. Então, é necessário desvelar, tirar os véus. Vamos tirar o véu da mentira que esconde uma realidade triste e sofrida, muitas vezes, deixe cair o véu da mentira e apresente a face da verdade! Por pior que seja a situação, a verdade sempre é mais sublime e bela que qualquer outra situação, pois não se esconde num véu. Vamos tirar esse véu e apresentar uma verdade que seja reconhecida e acolhida!
Tiremos o véu da traição e apresentemos a lealdade, que está desaparecendo dos nossos relacionamentos. Desvelemos crueldade e deixemos transparecer a misericórdia, que tantas vezes buscamos e necessitamos e não encontramos nem mesmo nos meios onde deveriam existir por obrigação. Vamos arrancar o véu da discórdia para deixar mostrar-se o Amor, o carinho, a mansidão, sensibilidade, a sinceridade, o perdão, a paz.
Se vivermos sem esses e tantos outros véus que aprisionam as maravilhas que nosso coração pode oferecer, seremos mais capazes, felizes, traremos estampado no rosto o sorriso fraterno e verdadeiro, teremos pulsando no peito um coração sadio, doaremos uns aos outros uma alma pura e repleta da alegria que é Deus em nossas vidas.
Vamos tirar os véus, revelar o que somos, e sermos e aceitarmos cada um com o seu jeito de ser. Vamos repetir o gesto apresentado na celebração da sexta-feira santa com nossa vida. Jesus se revela a nós simbolicamente naquela celebração, mas a cada dia Ele se mostra a nós em tudo, a cada instante e, se quisermos, ajuda-nos a tirar nossos véus pra torná-Lo conhecido e revelado. Pode demorar esse processo de revelação e apresentação, mas é preciso esperar para conquistar a amizade do tempo.